Folha de S. Paulo


Snapchat esnoba o poder de celebridades e de marcas

KEVORK DJANSEZIAN/AFP PHOTO / GETTY IMAGES NORTH AMERICA
Ex-funcionário acusa Snapchat de enganar investidores para aumentar sua oferta pública inicial
Rede social trata famosos como usuários comuns numa estratégia de atrair anunciante

O músico Jay Sean visitou as sedes do YouTube, Facebook e Twitter. O Instagram o procurou com instruções sobre o melhor horário para postar fotos e obter o máximo impacto.

Mas existe um serviço de mídia social que não contatou Sean, ainda que ele use o app frequentemente para postar momentos espontâneos de sua vida: o Snapchat.

"Quando o assunto é celebridade, o Snapchat é diferente do Instagram ou do Twitter", disse Sean, cujo maior sucesso é a canção "Down", na qual ele canta com o rapper Lil Wayne. Sean tem 472 mil seguidores no Instagram, mas diz que não sabe quantas pessoas o seguem no Snapchat porque a empresa não revela a informação.

As redes sociais tradicionalmente formam elos estreitos com atores, músicos, políticos e pessoas conhecidas por nada mais que sua presença online, porque essas pessoas têm o poder de atrair mais usuários.

Mas o Snapchat, controlado pela Snap, uma empresa que está a caminho de uma oferta pública inicial de ações que deve bater recordes, no ano que vem, não segue essas regras.

Em lugar de dar privilégios a celebridades como Sean, o Snapchat os limita e os trata como usuários comuns. Em lugar de cortejar os influenciadores, pessoas comuns com grande número de seguidores nas mídias sociais, muitas vezes envolvidos em promoção paga de produtos, o app vem mantendo a distância com relação a eles.

O motivo para a diferença: o Snapchat quer oferecer uma experiência mais autêntica, que não dependa de contar com celebridades no serviço, e que não se veja diluída pelos pronunciamentos publicitários dos influenciadores.

Quanto mais a vida real de alguém aparecer no serviço, calcula o Snapchat, mas íntimo e pessoal ele parecerá. E os anunciantes podem se sentir mais atraídos por essa autenticidade, o que os estimularia a adquirir anúncios do Snapchat em lugar de pagar celebridades e influenciadores por menções a seus produtos.

"O Snapchat serve a um propósito diferente", disse Sean. "No Snapchat, realmente conheço meus fãs. Eles não gostam de nada muito forçado ou encenado, no Snapchat".

SEM POSTS PAGOS

O Snapchat diz que prefere que celebridades usem o app como os demais usuários, e não como plataforma de venda de produtos. As normas de uso da empresa proíbem posts pagos, o que inviabiliza o marketing via influenciadores. A companhia, sediada em Venice, Califórnia,diz que não quer prejudicar a imagem do app como lugar em que as pessoas interagem com amigos.

"O Snapchat agora está em uma grande batalha para conquistar usuários habituais", disse Grant Owens, vice-presidente de estratégia da Critical Mass, uma agência de publicidade digital. Embora o app ganhe dinheiro com publicidade, disse Owens, manter os posts relativamente livres de marketing ajudará a empresa a se diferenciar.

Tudo isso contrasta com a maneira pela qual Facebook, Twitter e outras redes de mídia social usam celebridades e influenciadores a fim de ampliar a popularidade de seus serviços.

As celebridades eram tão importantes como usuárias do Facebook, quando este abriu seu capital em 2012, que as páginas de Lady Gaga e de um cachorro famoso na Internet, Boo, foram mencionadas nos documentos que a empresa encaminhou às autoridades financeiras detalhando sua proposta.

A documentação de oferta pública inicial do Twitter, em 2013, apontava que o cozinheiro Mario Batali e o presidente Barack Obama estavam entre seus usuários.

O YouTube, do Google, ajudou a criar uma nova categoria de celebridade online –o influenciador– ao destacar os criadores de vídeos populares na plataforma. E o Instagram apoia as celebridades e influenciadores divulgando dados que podem ajudá-los a atrair audiências maiores.

Essas ações levaram muita gente a buscar fama na mídia social; alguns até tentam ganhar a vida vendendo produtos aos seus seguidores. Esses influenciadores formaram organizações, têm o apoio de agentes e recebem remuneração quando exibem produtos em fotos que os mostram elegantes e se divertindo.

O Snapchat não atende a esses grupos. Em lugar de celebridades e influenciadores usarem o site para anunciar produtos, o Snapchat controla severamente os anúncios, que devem atender a padrões muito severos. A publicidade veiculada no site é tipicamente criada para espelhar o look e o jeito das fotos e vídeos que os usuários costumam ver no serviço de mensagens.

RETORNO ALTO

Ao manter esse controle de qualidade, o Snapchat consegue cobrar caro por seus anúncios: entre US$ 350 mil e US$ 600 mil por um geofilter (imagens portando marcas que as pessoas podem sobrepor às suas fotos) de um dia de duração.

A empresa cobra US$ 700 mil por lentes publicitárias usadas para transformar o selfie de um usuário, de acordo com uma lista de preços obtida pelo "New York Times". O Snapchat recentemente introduziu opções publicitárias de preço mais baixo.

Mas desconsiderar as celebridades e influenciadores pode ser um risco, para uma companhia de mídia social.

"Seria loucura não atendê-los bem, porque representam muito engajamento e atividade, na maioria das plataformas", disse Michele Anderson, vice-presidente de operações da Activate, uma consultoria de mídia. Ignorar os influenciadores, ela disse, "é uma decisão míope e um risco para os negócios".

Alguns influenciadores online expressaram publicamente sua insatisfação com o distanciamento imposto pelo Snapchat.

Um deles, Shaun McBride, postou uma "carta aberta" de 11 minutos ao Snapchat no YouTube, no mês passado, se queixando do mau desempenho da empresa junto a influenciadores e anunciantes e dizendo que ela ignorou seus pedidos de torná-lo usuário verificado, uma designação que indica que alguém é uma figura pública cuja identidade outros possam tentar imitar.

Ele define o Snapchat como "cool mas muito caro" para as marcas e diz que isso torna difícil construir uma audiência.

"No YouTube, tenho minha reputação e eles me ajudam em tudo", diz McBride no vídeo. "Conversei com pessoas do Instagram sobre como as histórias do Instagram funcionam e trabalhamos juntos quanto a isso. No Snapchat, não tenho um ponto de contato e eles não apoiam os seus criadores".

Em e-mail, McBride disse que seu relacionamento com o Snapchat não mudou depois de ele postar o vídeo.

CELEBRIDADES

O Snapchat não deixa de contar com celebridades. Além de Sean, personalidades televisivas como Ryan Seacrest e músicos como Rihanna usam o serviço.

No final do ano passado, a empresa lançou o "histórias oficiais", um recurso que identifica vídeos e imagens postados por figuras públicas muito conhecidas, como a primeira dama Michelle Obama e a atriz Jessica Alba.

Apenas algumas centenas de contas do Snapchat recebem a designação "história oficial", ilustrada por um emoji; essas contas são mais fáceis de localizar usando o recurso de buscas do app.

A estrela do tênis Serena Williams se tornou parte do grupo das "histórias oficiais" este ano. Ela diz ter apreciado a promoção porque "torna mais fácil que as pessoas me encontrem".

Mas as contas de celebridades não recebem outras formas usuais de tratamento preferencial. Os posts delas não ganham destaque no newsfeed e os algoritmos não priorizam seu conteúdo para encaminhamento automático aos usuários.

As pessoas têm de escolher seguir as contas de celebridades e suas histórias. E o Snapchat não encoraja as celebridades a prestarem atenção a estatísticas de visitantes, e nem revela o número de seguidores que a pessoa tem no app.

"O Snapchat não gira em torno dos números", disse Williams. "O Snapchat é para fãs de verdade".

O ator e humorista Kevin Hart, que tem uma conta de histórias oficiais, também disse que o serviço permitia conexão mais genuína com os fãs.

"O Snapchat é aonde vou para me conectar de um jeito divertido e natural", ele diz.

Arielle Vandenberg, atriz e estrela da mídia social com mais de 900 mil seguidores no Instagram, disse que no começo foi difícil atrair seguidores no Snapchat. Mas ela começou a usar o app mais do que usa outras redes de mídia social.

"A conexão entre as pessoas que estão assistindo e eu parece mais real", ela disse. "Se posto uma foto no Instagram, ela pode ter sido tirada duas semanas atrás. Se posto no Snapchat, ela está lá, naquele momento, junto com a audiência".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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