Folha de S. Paulo


Tesla e Google seguem rumos diferentes com carros autônomos

Eric Piermont/AFP
Projeto de carro autônomo do Google
Projeto de carro autônomo do Google

No Vale do Silício, onde pequenas e grandes empresas trabalham em carros autônomos, as abordagens adotadas variam muito, e algumas largadas falsas já aconteceram.

Os caminhos mais divergentes podem ser o tomado pela Tesla, que já está vendendo carros com funções rudimentares de autodireção, e o tomado pelo Google, que continua em modo experimental.

Os esforços iniciais do Google, em 2010, tinham por foco carros que se dirigiriam autonomamente, mas com uma pessoa por trás do volante para assumir o controle ao primeiro sinal de problemas, e um segundo técnico a bordo monitorando o computador de navegação.

Como conceito geral, o Google estava tentando atingir o mesmo objetivo que a Tesla afirma ter atingido com seu recurso Autopilot, que ela vem promovendo no Modelo S. O sistema permite que o carro se movimente sem que o motorista tenha as mãos no volante, mas está sofrendo escrutínio depois de um acidente fatal em uma rodovia na Flórida.

Mas o Google decidiu minimizar a importância do aspecto de vigilância humana do experimento em 2013, quando a empresa permitiu que alguns funcionários se sentassem ao volante de carros autoguiados em seus percursos diários de casa para o trabalho.

Engenheiros utilizando câmeras remotas instaladas nos carros para monitorar os resultados ficaram alarmados com aquilo que observaram —uma ampla gama de comportamentos associados à distração, entre os quais motoristas que caíram dormindo.

"Vimos coisas que nos deixaram um pouco nervosos", disse Christopher Urmson, antigo professor de robótica da Universidade Carnegie Mellon e diretor do projeto de carros do Google, naquele momento.

O experimento convenceu os engenheiros de que talvez não fosse possível para um motorista humano retomar instantaneamente a "consciência situacional", o estado de resposta reflexa requerido para que uma pessoa enfrente crises sem hesitação.

Assim, os engenheiros do Google tomaram outro caminho, eliminando o motorista humano do circuito completamente. Criaram uma frota de carros sem pedais de freio, aceleradores ou volantes, projetados para viajar a velocidade nunca superior a 40 km/h.

Para garantir ainda mais, eles adicionaram uma camada pesada de espuma à frente dos carros, e um para-brisa plástico, caso o carro cometa erros. Embora não sirvam para viagens rodoviárias interestaduais de alta velocidade, carros como esses poderão um dia funcionar como, digamos, táxis robotizados em condições de tráfego urbano intenso.

O Google diz que o mais cedo que antecipa colocar veículos como esses no mercado seria em 2019.

"A segurança vem sendo a principal preocupação da equipe do carro autoguiado do Google, desde o começo", disse Sebastian Thrun, o pesquisador de inteligência artificial que criou o projeto do carro. "Queríamos que eles fossem significativamente mais seguros, ao ponto de praticamente não haver mais acidentes."

COLISÃO

Até o momento, os carros do Google foram em geral bem-sucedidos quanto a isso, com apenas uma colisão leve em baixa velocidade causada pelo motorista robótico.

Ainda assim, não existe consenso de engenharia quanto a qual seja o melhor percurso rumo aos veículos autônomos. No Vale do Silício e em suas imediações, há 19 projetos comerciais de carros autoguiados em curso, envolvendo de grandes montadoras de automóveis como a Nissan e a Ford a gigantes da tecnologia como o Google, Baidu e Apple, além de operações minúsculas como a da comma.ai.

A Toyota, maior montadora mundial de automóveis, não aderiu aos esforços de desenvolvimento de carros autoguiados, o que pode ser significativo. A companhia criou um laboratório de pesquisa em Palo Alto, Califórnia, com o objetivo não de criar um carro que se dirija sozinho, mas sim um "anjo da guarda", um sistema computadorizado que só assumiria o controle em caso de erro do motorista humano.

O sistema Autopilot da Tesla foi introduzido com muito alarde e despertou entusiasmo dos consumidores, em outubro. Gerou muitos vídeos de proprietários de Teslas sobre dirigir sem segurar o volante, entre os quais vídeos postados por Joshua Brown, o motorista morto na Flórida.

Os engenheiros automotivos que estão trabalhando em veículos autônomos falam de um desafio de projeto que eles definem como "excesso de confiança" —a possibilidade de que os seres humanos não compreendam plenamente as limitações dos recursos de segurança em que confiam nos veículos autônomos.

A Tesla aponta que o Autopilot serve apenas para ajudar o motorista, e não substitui-lo. E os alertas de tela dos veículos da montadora e seus manuais do proprietário enfatizam que o motorista precisa se manter atento e ter as mãos no volante ou perto dele o tempo todo.

Mas ao tentar os consumidores oferecendo um recurso tão experimental que a empresa mesma o define como "teste beta", o Tesla disparou na frente do restante do setor e da percepção do público quanto ao estado da tecnologia de veículos autônomos.

Como Brown, os compradores de carros da montadora tendem a ser bons conhecedores de tecnologia e aventureiros, indispostos a aceitar a abordagem lenta adotada pelo restante do setor. Entre eles está um dos mais conhecidos engenheiros do Vale do Silício.

"Produtos beta não deveriam ter consequências de vida e morte como essas", disse Steve Wozniak, cofundador da Apple e dono de um Tesla Modelo S.

Wozniak admite que se preocupa com a possibilidade de que o Autopilot o leve a desviar os olhos da pista no momento errado. Mas é um risco que está disposto a correr.

"Mesmo que eu possa ter um pequeno desvio de atenção exatamente no momento errado", ele disse. "é mais fácil dirigir assim, e sentir menos cansaço".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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