Folha de S. Paulo


Conferência trata de assédio on-line às mulheres no mundo dos videogames

Jim Wilson/The New York Times
Anita Sarkeesian, a feminist critic whose dissection of how women are portrayed in video games made her a target of harassment and worse, in San Francisco, Oct. 15, 2014. Sarkeesian canceled a speech at Utah State University after an anonymous e-mail threatened a massacre and campus police said they could not legally bar attendees from bringing concealed firearms to the event. (Jim Wilson/The New York Times) - XNYT131
A feminista Anita Sarkeesian, cujo estudo sobre mulheres nos videogames a tornou vítima de abusos

Brianna Wu, uma conhecida projetista de videogames, está acostumada com ameaças à sua vida.

No sábado (12), durante mesa redonda da conferência South by Southwest, um evento que envolve cultura e tecnologia no Texas, ela mostrou uma foto de um "troll" de internet, que usava uma máscara de caveira. A pessoa, cuja identidade continua desconhecida, enviou uma mensagem a Wu, afirmando que pretendia tirar sua vida, perfurando seu crânio com uma furadeira.

"Os abusos que sofri são extremos", ela disse, acrescentando que seu marido e seu cachorro também foram ameaçados.

As experiências de Wu, que trabalha para o estúdio de videogames Giant Spacekat, não são uma anomalia. Outras mulheres no ramo dos videogames enfrentaram assédio on-line da mesma ordem, e segundo elas os episódios vão bem além de xingamentos e ingressam no território das ameaças de violência e da misoginia descontrolada.

Boa parte disso tem por centro o setor de videogames e está associado a um movimento de base chamado "#GamerGate", termo usado por um grupo de pessoas que estão lutando contra o que veem como uma representação injusta dos adeptos dos videogames como misóginos e antifeministas.

Mas, paradoxalmente, pessoas associadas ao movimento assediaram e agrediram mulheres on-line de maneira sistemática, entre as quais Wu e Anita Sarkeesian, uma crítica cultural feminista que muitas vezes toma por objeto de estudo os videogames e a cultura dos jogos eletrônicos.

Até mesmo tentativas de discutir e atenuar o assédio contra mulheres, on-line e na comunidade dos videogames, estão se tornando alvo de atitudes hostis. Em outubro, os planejadores da conferência South by Southwest cancelaram dois eventos –"SavePoint: A Discussion of the Gaming Community", e "Level Up: Overcoming Harrassment in Games"–, mencionando ameaças de "violência física" relacionadas às discussões propostas.

Depois de uma reação esmagadoramente negativa da comunidade on-line mais ampla, os planejadores da conferência retornaram com um plano para um evento de um dia de duração na South by Southwest dedicado à questão do assédio on-line e envolvendo figuras conhecidas do mundo dos videogames e funcionários de companhias de tecnologia que se viram apanhados em meio à disputa on-line.

Nas 15 mesas redondas da conferência, no Hyatt Regency Austin, os seguranças revistaram as bolsas dos convidados na entrada das salas. Meia dúzia de policiais estavam presentes nas horas anteriores ao início dos eventos, de olho nos presentes para antecipar possíveis problemas. Cada sessão tinha um policial presente, sentado nas fileiras traseiras do salão, observando a plateia e possíveis bolsas abandonadas.

Mas as sessões não atraíram grande público, em alguns casos registrando ocupação de apenas 20%.

Wu, parte de uma mesa redonda para discutir se "uma internet mais segura, sã e civilizada é possível", contou ter recebido mais de 200 ameaças de morte nos últimos anos.

Ela criticou algumas empresas de tecnologia, que agem como pontos de encontro para os simpatizantes da "#GamerGate" –especialmente o YouTube e o serviço de comunidades on-line Reddit–, por não fazerem o bastante para remover o conteúdo ofensivo quando este é postado.

O Reddit não requer que os usuários se registrem com nomes reais ou qualquer outra informação de identificação, para usarem o site. E serve como ponto regular de encontro para os ativistas da "#GamerGate".

"Não há maneira mais clara de dizer: o Reddit está fracassando espetacularmente para com as mulheres de todas as comunidades marginalizadas", disse Wu.

Dada a escala desses serviços, policiar o assédio é uma tarefa descomunal. Cerca de 1.6 bilhão de pessoas usam o Facebook regularmente, enquanto os usuários do YouTube sobem 400 horas de vídeo por minuto.

O Reddit, que obteve dezenas de milhões de dólares de empresas de investimento, recebe centenas de milhões de usuários ao mês e depende primariamente de que seus usuários se policiem autonomamente.

O que é difícil para as companhias é encontrar o meio termo justo entre a liberdade de expressão –valor fortemente apoiado por muitas empresas do Vale do Silício– e o assédio, que pode fazer com que usuários de suas redes se sintam mal acolhidos, inseguros ou pior.

Mas além do assédio genérico, um tema recorrente em todas as discussões –revelado por meio de relatos apavorantes e estatísticas– era a dimensão desproporcional do ódio online dirigida às mulheres.

O evento do dia se encerrou sem incidente, mas as questões ficaram longe de resolvidas. Embora as empresas de tecnologia tenham tentado com muito mais afinco do que no passado resolver a questão do assédio online –um esforço em grande parte propelido pela conscientização quanto às ações do "#GamersGate"– elas ainda têm muito que avançar, disse Wu.

"Existe uma discrepância muito grande entre aquilo que as companhias de tecnologia dizem fazer e os resultados que elas obtêm", ela disse.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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