Folha de S. Paulo


DEPOIMENTO

Contra o vício, tragam os telefones burros de volta

Reprodução/GSMARENA
O Celular Nokia E55, que tinha duas letras por tecla, para maximizar a eficiência na digitação
Celular Nokia E55

O solavanco mental sobre a necessidade de verificar meu celular surgiu quando eu estava relaxando, com os pés para cima no sofá, depois de um longo dia de trabalho.

Isso normalmente não seria problema, mas meu namorado estava diante de mim, encostado no aquecedor da sala e me contando sobre o seu dia. E, no entanto, eu sentia aquela insidiosa necessidade de verificar e-mail, Facebook ou Twitter –e sem qualquer motivo racional.

E foi então que percebi: meu vício em smartphone havia se tornado tão sério que sinto anseios parecidos com os que sentia quando fumava. Ocasionalmente agudos, ocasionalmente apenas um zumbido distante: um ímpeto de saciar a necessidade de usar meu celular.

Temo que o único modo de me livrar dessa sensação e me forçar a passar mais tempo atenta ao mundo físico seja estabelecer limites para minhas conexões virtuais.

Apps ou software para limitar ou monitorar meu uso não são a resposta. Tentei usá-los, e agora suspeito que o problema seja o hardware. Acho que preciso de um celular burro. É claro que um dia eram exatamente esses os telefones que todos nós tínhamos.

Eu mesmo tinha um deles, apenas seis anos atrás. (Meu problema pode ser definido como desenvolvimento retardado. Eu prefiro o termo "negação da Apple".) Em 2009, meu celular era um Nokia E55. Tinha duas letras por tecla, para maximizar a eficiência na digitação, e eu o encarava mais como um walkie-talkie glorificado do que como portal para ignorar o mundo físico.

Um guia de ruas com mapas miniaturizados continuava a ser um item que eu me orgulhava em carregar na bolsa. Eu lia mais livros e quando me deslocava de um para outro lugar observava mais as árvores que a tela. Mas estava a ponto de adquirir um smartphone Nexus One.

Passados cinco anos, fico decepcionada ao perceber quanto tempo dedico a bolar posts para a mídia social, e triste pelo meu apego à presença constante de uma janelinha portátil para a web.

Em 2001, quando decidi reverter uma péssima decisão de minha adolescência e largar o fumo, desenvolvi algumas estratégias para enfrentar meu anseio por fumar. Uma das mais efetivas era sempre carregar um bilhete no bolso traseiro da minha calça, no qual recordava a mim mesma como eu era chata quando ficava doente, e como enfisema ou câncer de pulmão seriam dez vezes piores, e que eu teria de viver com o conhecimento de que a culpa por tudo isso seria minha.

Embora o vício em smartphones não seja nem de perto tão dramático, ainda assim uso um protetor de tela que me lembra de que se eu estiver internada no hospital sofrendo de alguma doença –preferencialmente relacionada à idade–, vou querer mais abraços reais do que abraços virtuais, e por isso é melhor passar menos tempo olhando para a tela e mais tempo olhando as pessoas nos olhos.

Outra estratégia para resistir à vontade de fumar envolvia não ir a lugares nos quais eu costumava fumar. Porque não posso ficar sem ir ao meu quarto, e alguns dos usos mais destrutivos de smartphones acontecem de manhã cedo e ao final do dia, proibi o uso do smartphone lá. Agora, me dedico aos livros, o que faz com que me sinta ligeiramente virtuosa.

E há também a possibilidade de substituição. Eu costumava fumar a caminho de minhas aulas, ocasionalmente, e por isso comprei um minidisk player (era 2001) e ouvia música ao caminhar.
Quando eu começava a pensar demais que queria um cigarro, colocava um pirulito na boca.

É nessa hora que o paralelo com os smartphones se torna difícil. Nosso maior prazer é torná-los aparelhos que incorporem todas as nossas necessidades: mapas, música, jogos, agendas telefônicas e de compromissos, notícias, condicionamento físico, comunicação e mais. Talvez devêssemos separar algumas dessas coisas. Estou tentando usar cartões de indexação, e acho mais fácil definir prioridades quando não recebo atualizações do Twitter ao mesmo tempo.

Mas não conseguirei escapar completamente de ter um minicomputador no bolso. Quero acesso a alguns recursos básicos de mensagens e talvez a uma câmera. Ocorre-me o pensamento de que talvez os Nokia voltem a ficar na moda.

Há também novos celulares burros ("feature phones" para manter a educação) com design mais moderno, no mercado. O Japão, país no qual a maioria desses aparelhos está em uso, registrou alta na venda desse tipo de celular em 2014, e uma queda na venda de smartphones.

Reprodução
Celular minimalista Minium, ainda em desenvolvimento
Celular minimalista Minium, ainda em desenvolvimento

Para os mercados ocidentais, existe um desenvolvimento potencialmente promissor na forma do Minium, cujo objetivo é ser o "primeiro celular minimalista moderno", quando for lançado.

Do lado "moderno", sincronização em nuvem para agendas é uma das promessas. O minimalismo envolve coisas como uma tela de papel eletrônico que beneficiará a duração da bateria e, de acordo com um dos fundadores da companhia, "é fantástica para os nossos propósitos porque resulta em muito menos imersão do que uma tela tradicional de LCD". A função de mapas ainda não está definida.

Talvez seja hora de tirar a poeira do meu velho guia de ruas.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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