Folha de S. Paulo


Anonymous não tem muito a comemorar depois de um ano combatendo EI

Após os trágicos ataques terroristas em Paris na sexta-feira (13), o grupo hacktivista Anonymous "declarou guerra" ao Estado Islâmico (EI). Como é típico do grupo, a mensagem foi entregue por meio de um dramático manifesto no YouTube protagonizado por um indivíduo com a máscara de Guy Fawkes.

"Saiba que os encontraremos e não esqueceremos", diz a pessoa, em francês, de acordo com as legendas no vídeo. "Lançaremos a maior operação de todas contra vocês. Esperem por muitos ataques cibernéticos."

Por mais bem intencionado que seja, o manifesto não é encarado como grande coisa por diversos analistas de segurança. Há, entre os especialistas, a desconfiança de que os ataques não teriam efeito significativo na luta contra o Estado Islâmico.

A questão levantada por esses comentaristas é: a guerra do Anonymous contra o EI é inútil ou danosa à causa que tenta apoiar?

Vídeo do Anonymous

Na terça-feira (17), a conta pseudo-oficial do Anonymous no Twitter se gabou de ter derrubado mais de 5.500 perfis ligados ao EI dentro da rede social. O grupo ainda criou um site para denunciar simpatizantes da organização e listá-los em um banco de dados. O site, porém, parece ainda estar em construção.

A declaração de guerra foi coberta por diversos veículos de mídia, o que, de acordo com a estudiosa do Anonymous Biella Coleman, ajudou a dar certa credibilidade ao grupo hacktivista.

Mas apesar de toda a atenção, não está claro como a suposta guerra afetará o conflito no mundo real. É bem improvável que ela mude os eventos em campo, onde os soldados do EI tem maiores preocupações do que hackers adolescentes.

E o fato é que é improvável que faça diferença na rede também. Em confrontos anteriores com o EI, tudo que o Anonymous conseguiu fazer foi limitar o (ainda enorme) número de contas em redes sociais associadas à organização e derrubar sites afiliados com sua tática favorita –o ataque de negação de serviços distribuído conhecido como DDoS.

O pesquisador da área de segurança Collin Anderson tuitou na segunda-feira (16) que "não se impressionaria com a #OpISIS / #OpParis [hashtags usadas pelo Anonymous para divulgar atividades contra o Estado Islâmico] até que um batalhão de nerds da internet armados com máscaras de Guy Fawkes tentassem atacar [a cidade síria] Raqqa".

Twitter de Collin Anderson

A guerra do Anonymous contra o EI não é de hoje. Alguns hackers que dizem serem ligados ao grupo, amorfo por natureza, têm atacado sites e contas no Twitter ligadas ao EI desde, no mínimo, o ano passado. Esta treta on-line se inflama e recebe atenção midiática sempre que há um ataque terrorista, como o ocorrido na redação da revista satírica "Charlie Hebdo", no começo do ano.

Em janeiro, alguns grupos ligados ao Anonymous também declararam guerra ao EI e se vangloriaram de terem derrubado sites ligados a ele. De forma semelhante, o EI reagiu ao "pichar" 19.000 sites franceses aleatórios e com pouca segurança, de acordo com o chefe de defesa cibernética do país.

Desde então, a batalha on-line tem seguido silenciosa. O único feito do Anonymous tem sido manter o número de contas no Twitter que espalham propaganda do EI "em baixa", de acordo com J.M. Berger, um conhecido especialista em terrorismo e coautor do livro"ISIS: The State of Terror", que revelou em março que o EI utilizou pelo menos 46.000 contas no Twitter ao longo de três meses no final do ano passado.

"O importante é que esse número não tem crescido significativamente desde o começo do ano", disse Berger ao Motherboard, via e-mail. "Além disso, usuários que tem suas contas suspensas regularmente veem suas redes encolherem de modo drástico ao retornarem com novas contas."

Mas o Anonymous não tem muito o que comemorar nessa guerra contra o Estado Islâmico.

Outro grupo hacktivista, outrora ligado ao Anonymous, parece ter sido mais eficaz. A agremiação se chama Ghost Security Group e seus integrantes afirmam ser ex-militares ou especialistas em segurança da informação.

Eles são responsáveis pela derrubada de 149 sites jihadistas ou do EI, de 107.000 contas em redes sociais e de 6.000 vídeos no YouTube, de acordo com um de seus líderes que se apresenta como Digital Shadow.

O grupo afirma fornecer informações sobre integrantes do EI para o governo norte-americano. Esses dados ajudaram a prevenir ataques, de acordo com Digital Shadow, que disse ao Motherboard ter sido integrante do Anonymous tempos atrás.

Não pudemos confirmar a veracidade de tais afirmações. Mas Michael Smith, diretor de uma consultoria de defesa norte-americana, tem atuado como intermediário entre o Ghost Security Group e o governo dos EUA e repete as afirmações do grupo de que interromperam ações do EI.

E é por isso que Digital Shadows concorda que o Anonymous não foi muito eficaz até o momento. "Pensamos que impedir ataques é mais importante que derrubar sites", disse em entrevista telefônica. "Mas todos estão fazendo o que podem."

O hacker comentou ainda que o Anonymous derrubou sites que seriam mais úteis no ar, já que forneciam informações relevantes. Segundo ele, o Ghost Security Group se afastou do Anonymous por sua falta de "liderança centralizada e porque todos podem fazer o que quiserem". O Ghost, por sua vez, se vê como uma organização contraterrorista que necessita de "estrutura e liderança".

No final das contas, o Anonymous precisa provar que sua campanha vai além da retórica, ultrapassando o encerramento de contas no Twitter e algumas derrubadas de sites.

Tradução: Thiago "Índio" Silva


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