Folha de S. Paulo


Start-up supera Facebook na conexão de mercados emergentes à internet

Uma empresa iniciante está concorrendo silenciosamente com os esforços do Facebook para promover a conexão de consumidores dos mercados emergentes à internet, e assinou com 15 vezes mais operadoras de telecomunicações do que o projeto lançado com muito alarde pela rede social.

O mCent, um app desenvolvido pela Jana, uma start-up de Boston, já integrou 311 operadoras, ante as 20 operadoras até agora envolvidas no projeto Internet.org do Facebook.

O app já conta com 30 milhões de usuários depois de um ano de operação, e torna o acesso à internet mais fácil e mais barato nos países em desenvolvimento. Na Índia, 10% dos usuários de celulares Android usam o mCent, e a Jana agora tem por foco se expandir na China, Brasil e Indonésia.

A start-up de 60 funcionários oferece acesso gratuito a dados para os usuários em troca de que eles testem os apps de seus anunciantes, entre os quais Twitter, Amazon e Tencent. A companhia credita às contas dos usuários um volume de dados suficiente para o app em teste e mais um app, depois que eles utilizarem o programa em questão por uma semana.

Nathan Eagle, cofundador e presidente-executivo da Jana, disse que cada vez mais pessoas pobres têm smartphones, porque os preços desses aparelhos caíram, mas o custo dos planos de dados pode consumir até 10% da renda média diária de um assinante em mercado emergente. As operadoras de telecomunicações encontram dificuldades para extrair mais dinheiro desses clientes, e os assinantes sofrem por terem acesso restrito à internet.

"Em última análise, a proposição que oferece valor é a de conectividade grátis, que é universalmente atraente. Em todas as culturas e em todos os continentes, as pessoas querem gastar menos dinheiro com suas contas de telefone", ele disse.

A Jana, que levantou US$ 40 milhões em capital junto à Spark Capital, um fundo de capital para empreendimentos, e ao grupo publicitário Publicis, adota abordagem diferente da proposta pela Internet.org, uma iniciativa liderada pelo Facebook que inclui participação de companhias como a Samsung e Qualcomm.

DRONES E LASERS

A Internet.org é conhecida por seus planos para construir drones e desenvolver lasers que podem criar acesso à internet nos quadrantes mais remotos do planeta. Uma versão em escala plena do Aquila, um avião de altitude elevada e longa autonomia projetado por uma equipe britânica e adquirido pelo Facebook, está pronta para testes de voo.

Mas a maioria dos esforços da organização para promover a conexão de usuários se concentra em pessoas que vivem em áreas nas quais a internet é acessível mas que não têm condições de arcar com o custo. A Internet.org desenvolveu apps de uso gratuito em 18 países, que oferecem acesso ao Facebook e a outros sites como o Google e a BBC, a depender do app. A oferta também oferecerá acesso a informações sobre serviços governamentais e de saúde básicos.

Os apps da Internet.org são lançados em parceria com as operadoras de telecomunicações, que não recebem pagamento pelos dados consumidos por esses usuários, mas veem a proposta como maneira de encorajar as pessoas a compreender os benefícios da internet e do acesso a outros serviços conectados que não façam parte do app.

Eagle diz que a abordagem de "jardim murado" da Internet.org faz dela um "produto inferior" ao mCent, no qual as pessoas usam o volume de dados que ganham ao testar apps patrocinados para utilizar qualquer serviço online. "Não vejo de que maneira eles podem ampliar a escala do serviço sem que descubram como cobrir os custos", ele afirmou, acrescentando que a Jana já encaminhou dezenas de milhões de dólares às operadoras.

DÉLI E SÃO PAULO

A ideia do mCent lhe ocorreu durante uma licença sabática de seu emprego como professor assistente do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), onde ele pesquisa sobre o uso de dados nas telecomunicações.

Ao tentar descobrir como encorajar enfermeiros a enviar mensagens de texto quando os bancos de sangue nos quais eles trabalham estão com estoque baixo, ele percebeu que pedir que o fizessem era equivalente a pedir que aceitassem um corte de salário. Por isso introduziu um sistema que permitiria que o ministério da saúde reembolsasse o custo de cada mensagem de SMS e "mais um centavo para agradecer".

Agora, ele está ávido por conquistar fatia maior do mercado publicitário emergente, que estima movimentará mais de US$ 300 bilhões em 2019, citando pesquisas da eMarketer e da ZenithOptimedia. Seus concorrentes, acredita Eagle, são "canais de TV em Déli, outdoors em São Paulo e estações de rádio em Jaragar", e não serviços digitais alternativos.

"Nossa missão, em última análise, é propiciar acesso gratuito à internet para um bilhão de pessoas, e capturar fração substancial dos US$ 300 bilhões gastos em publicidade nos países em desenvolvimento", ele afirmou.

A Jana foi o primeiro investimento que a Publicis fez fora de sua parceria de investimento com a operadora francesa de telecomunicações Orange.

Rishad Tobaccowala, vice-presidente de estratégia do grupo publicitário francês, disse que estava se beneficiando do esforço das startups de San Francisco para conquistar novos usuários em mercados emergentes. Ele disse que empresas como o serviço de carros Uber, que está investindo pesadamente na Índia e China a fim de concorrer com rivais locais, "são um conjunto especialmente valioso de anunciantes".

Mas acrescentou que fabricantes de bens de consumo como a Unilever, que já levou pessoas a comprar xampu com a oferta de acesso à Internet via celular, são potenciais anunciantes.

Tobaccowala acredita que os esforços para conectar populações à Internet comandados por grandes empresas de tecnologia, como o projeto Loon do Google que criaria acesso por meio de uma rede de balões, podem ser eclipsados pela Jana. "A Internet.org tem um décimo do tamanho da Jana, e à medida que esta ingressar em mais e mais mercados - quem precisará da Internet.org? Quem precisará do Google Loon?"

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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