Folha de S. Paulo


Comediante usa escracho e penteado 'unicórnio judeu' para ganhar a web

Meu almoço com o homem descrito como "primeiro superastro da comédia no Instagram" havia sido marcado no Rick's Cabaret, uma casa de strip-tease, e churrasco, no centro de Manhattan. Josh Ostrovsky, 33, conhecido profissionalmente como "the Fat Jew" (o judeu gordo), me garantiu que a escolha do local não tinha a ver com as mulheres nuas: "Venho por causa da salada Caesar", ele diz.

São 13h de um belo dia de verão, mas no interior do clube, quase completamente escuro, a música eletrônica é alta, e o lugar começa a lotar. Os homens chegam em grupos. Uma jovem magra, usando lingerie preta por sob um roupão transparente, está trabalhando no poste de dança que se estende do teto ao piso no palco ao lado do balcão do bar. A especialidade de Anastasia é se contorcer de modo a que seu rosto apareça por entre suas pernas. Em seguida, ela olha na direção da plateia e pisca para o fã grisalho sentado diante dela, que gosta do que vê e joga notas de um dólar para o alto –"fazendo chover", no jargão das casas de strip.

É difícil que qualquer dos presentes seja capaz de atrair mais atenção do que as strippers, mas até o sujeito grisalho desviou o olhar de sua lap dance e ficou boquiaberto diante da entrada do Fat Jew, que usava um macacão com o zíper aberto até o umbigo (exibindo um medalhão de ouro e uma tatuagem com o logotipo da revista "New York"), e o cabelo em um rabo de cavalo vertical que ele define como "unicórnio judeu" ou "ereção capilar".

Superette LLC/Wikimedia Commons
O comediante Josh Ostrovsky, conhecido por sua conta no Instagram
O comediante Josh Ostrovsky, conhecido por sua conta no Instagram "@thefatjewish"

Puxando um banquinho, ele me cumprimenta com forte sotaque nova-iorquino: "John, e aí? Tudo certo?" Ele se volta para a bartender e pede "quero alguma coisa bem vagaba, por favor. Com pêssegos. Sabe?" Preocupado, mas interessado em criar um clima positivo para a conversa, termino minha cerveja e peço a mesma coisa que ele.

Mais de 5,2 milhões de pessoas seguem a conta do Fat Jew no Instagram, que consiste principalmente de fotos de animais, bebês e dos ricos e famosos, acompanhadas por legendas sarcásticas e desbocadas. As únicas pessoas que têm mais seguidores do que ele são ou verdadeiras celebridades ou o pessoal ligado à família Kardashian.

Mas se você não usa o app de fotos e rede social, adquirido pelo Facebook em 2012 por US$ 1 bilhão e hoje dotado de mais de 300 milhões de usuários, o nome de Ostrovsky provavelmente será desconhecido para você. A um só tempo imensamente famoso e completamente desconhecido, a ascensão do Fat Jew reflete as maneiras cada vez mais desconexas pelas quais consumimos comédia.

"Quero que o maior número possível de pessoas saiba que sou o fodão da comédia", diz o Fat Jew, "mas por que eu viajaria pelo mundo fazendo shows de stand up para algumas centenas, talvez alguns milhares, de pessoas quando posso atingir muito mais gente pelo Instagram?" Já que todos nós passamos cada vez mais tempo usando nossos celulares, ele arrazoa, será lá também que buscaremos motivos para rir. "E porque vivemos em ritmo acelerado", ele diz, "para que uma piada seja boa, ela precisa ser rápida".

A bartender deposita dois drinques no balcão diante de nós e diz: "Rapazes, fiz um drinque especial para vocês. Uma combinação de flores e frutas com chartreuse, gim, schnapps de pêssego, suco de cranberry e abacaxi e uma dose de água tônica. Vagaba o bastante?"

"Com certeza", responde o Fat Jew, antes de experimentar o líquido cor de rosa com um canudinho. "Bom. Pra. Caralho. Sabor de purificador de ar!"

Reprodução
Josh Ostrovsky tem 5,5 milhões de seguidores na rede social fotográfica Instagram
Josh Ostrovsky tem 5,5 milhões de seguidores na rede social fotográfica Instagram

Não é permitido comer no balcão, e por isso nos transferimos a uma mesa de canto. Quando nos acomodamos, o Fat Jew explica de que modo, a cada dia, em um escritório que ele aluga nos fundos de uma lavanderia em Queens, ele e três estagiários vasculham a Web em busca de imagens incomuns, muitas vezes ligeiramente ridículas –desde que já não tenham se tornado virais– para postar.

No mês passado, para celebrar a decisão da Corte Suprema autorizando o casamento gay em todo o território dos Estados Unidos, ele postou uma imagem do rapper Kanye West beijando a si mesmo, que sua equipe montou em Photoshop. A legenda: "Kanye enfim pode se casar consigo mesmo legalmente em qualquer lugar dessa maravilhosa nação". A imagem recebeu quase 238 mil likes.

Seu gosto excêntrico define sua forma de humor –em uma foto, duas fatias de pizza formam uma estrela de Davi, e abaixo a legenda: "Essa é minha religião". Ele também zomba de nossa dependência da Internet, com uma imagem que diz "lar é onde o seu Wi-Fi se conecta automaticamente", e embaixo a legenda: "O que quer dizer que não estamos falando da casa dos meus pais, onde a senha do Wi-Fi é RHXFGJIJ0000055$T".
Com esse tipo de conteúdo, que as pessoas parecem não conseguir resistir a reenviar ou comentar com os amigos, o Fat Jew encontrou a fama e o sucesso financeiro. Ainda assim, ele diz, é difícil explicar a "um adulto de verdade" o que ele faz.

"Não quero ser pretensioso a respeito, mas é mais arte performática que comédia", ele diz, virando o coquetel. "Não vou abrir uma cozinha para alimentar os moradores de rua, mas o que faço vem logo abaixo disso: as fotos são o que dou ao mundo. Muita gente tem carreiras firmes, seguro-saúde, salário a cada mês, mulher e três filhos. Mas esse tipo de vida pode ser chato. Às vezes você precisa ver um cara gordo sentado dentro de uma gigantesca bacia de chilli".

"Porque ser adulto enche o saco. Enche muito o saco, cara. Você tem responsabilidades. Não pode sair e cheirar uma tonelada de cocaína, pirar. E o que eu faço é tornar seu dia um pouquinho menos ruim, ajudar em 0,001% quando sua vida está caindo aos pedaços –o que me parece uma empreitada nobre. Isso me coloca no meio da fila. Talvez eu não vá para o inferno, afinal", diz.

Uma stripper nos aborda e me pergunta se quero uma lap dance. "Ele te ama, mas não, obrigado", responde o Fat Jew antes que eu encontre o que dizer. "Só o cardápio".

EXPULSÕES

Quando ele chega, vem com uma notícia inesperada: a salada Caesar acabou. "Três pratos por US$ 10 –não dá para reclamar", comenta meu convidado, filosoficamente. Por esse preço, é meio assustador imaginar que gosto terá a comida, mas nosso encontro é para um almoço, e por isso peço sopa de tortilla como entrada, seguida por filé com fritas e mousse de chocolate. O Fat Jew também pede a sopa e a mousse, ainda que seu prato principal seja camarão. "E mais dois desses", ele diz, apontando para nossos copos vazios.

O Instagram tolera seu humor repleto de impropérios –até certo ponto. Desde que criou sua conta, em 2009, ele já foi expulso do app três vezes por postar conteúdo considerado inapropriado –a mais recente das quais em 2013. "Mas da última vez não me explicaram o motivo", ele afirma.

Em protesto, ele se algemou diante dos escritórios do Instagram e Facebook, então localizados em Manhattan. "Roubaram minhas memórias, minha liberdade de expressão e alegria das pessoas a quem levo o riso a cada dia... Una-se à luta, use o hashtag #freefatjew e exija que me devolvam meu Instagram. Liberdade!"

De acordo com o Fat Jew, "de repente a rua lotou. Eu parecia ter comovido as pessoas, e estava preparado para, literalmente, passar a vida preso. Sou muito parecido com Nelson Mandela, de tantas maneiras, exceto que sou gordo, branco e judeu". O hashtag se tornou sucesso e o protesto foi transmitido ao vivo por companhias de mídia online como a Vice. Em 15 minutos, a conta dele foi restabelecida.

"Na época", ele recorda, com carinho, "o Instagram era minha vadia. Mas recentemente eu mesmo decidi baixar a bola, seguir as regras. O Instagram está me ajudando a me tornar mais comercial. Mark Zuckerberg, venho em paz".

Nos últimos anos, empresas começaram a pagar a ele por acesso à sua audiência. Clientes como o Burger King, Virgin Mobile e Stella Artois o contrataram como "agente de influência", e para fazer merchandising de produtos em seus posts.

Ao que se sabe os anunciantes estão dispostos a pagar cerca de US$ 6 mil por menção de seus produtos em um post no Instagram (o preço para uma menção no Twitter seria o mesmo). O Fat Jew me diz que não gosta de falar sobre quanto está ganhando mas, com base nos preços cobrados por outras contas de sucesso no Instagram, sua renda publicitária, sozinha, deve estar na casa das centenas de milhares de dólares ao ano.

Como é que o patrocínio empresarial se encaixa à imagem ousada dele? "Foi uma bola de neve, recentemente, mas para mim não é o dinheiro que importa. Eu poderia faturar muito mais, mas gosto de ter completo controle de criação sobre tudo que faço. Eles sabem que não aceito suas ideias. Sim, eu gostaria de ficar podre de rico e comprar alguns animais exóticos, mas só se o conteúdo continuar bom".

Por "bom" ele quer dizer que se dispõe a assumir mais riscos do que outros usuários do Instagram. O Fat Jew recentemente estrelou uma campanha da Bud Light no Super Bowl. Brincando com o lema da cerveja, "topo tudo", ele levou a avó a uma festa e um amigo a tatuou na parte baixa das costas. "Eu poderia recebido a grana e posado para uma foto com uma cerveja na não. É isso que os outros grandes do Instagram teriam feito. Mas preferi fazer alguma coisa mais real, mais memorável. Eu paro para pensar e conseguir o melhor resultado. Sou um cara assim, gosto de me doar".

O que ele pensa sobre o compartilhamento excessivo de informações pessoas que as pessoas praticam online? "Para mim é ótimo que não haja limites, e eu mostro tudo online há anos. Mas muita gente –digamos, Lena Dunham– é 'confessional' online de um jeito que elas sabem que as pessoas gostarão. A 'honestidade' dela é politicamente correta. Ela puxa o saco dos outros, um pouco. Enquanto para mim, nada é embaraçoso demais. Zombo de mim mesmo e zombo dos outros".

Mas nunca, como percebi, de sua mulher, Katie Sturino, agente de imprensa com quem ele se casou no final de 2014. Por que não? "A Internet é bonita, meu lugar favorito no planeta, mas também é uma lata de lixo, um oceano infindável de coisas horripilantes. E algumas pessoas não estão prontas para isso. Não estou escondendo minha mulher –o rosto dela é bonito, simétrico–, mas se as pessoas disserem coisas horríveis sobre ela online, ela levará a sério. Ela é uma amadora, na internet".

'PRESIDENTE DA INTERNET'

"Já eu, por outro lado, sou o presidente e primeira dama da internet. Sou o melhor troll do planeta", diz.

Nossa segunda dose de coquetéis chega, e a conversa se volta às oportunidades do Fat Jew para uma carreira fora da Internet. Ele diz que agora é a hora de traduzir sua imensa presença online e sucesso nos smartphones em forma de uma carreira convencional no entretenimento. Onde quer que você vá em Nova York, lá está ele: nas laterais dos ônibus, comendo um hot dog em anúncio para o Seamless, um serviço online de comida delivery; em entrevistas frequentes na Bloomberg News sobre "como comercializar produtos para a geração milênio" e o uso da Internet na promoção de sua marca, "coisas chatas desse tipo". E agora, ele diz ter vendido roteiros para programas na Comedy Central e Amazon; no mês passado assinou um contrato com a agência One Management como modelo GG; e "Money Pizza Respect", uma coleção de imagens e escritos pessoais, será lançada pela Grand Central Publishing em outubro. Mas escrever um livro, ele diz, foi trabalhoso demais. Ele alugou uma cabana nas matas do Connecticut mas passava mais tempo no bar local do que escrevendo.

Surpreendentemente, para alguém que passa tanto tempo online, ele acredita que o "IRL" [in real life, na vida real, ou seja, as coisas que acontecem não na Internet] voltará a ter importância nos próximos cinco anos. E suas metas são altas: "Escrevi 'Money Pizza Respect' para me tornar o herói acidental da indústria do livro, para revigorar a leitura em larga escala".

As sopas, o filé e os camarões chegam todos juntos à mesa. A sopa é quase intragável –caroçuda, salgada demais– mas ataco o filé com entusiasmo, depois das bebidas doces. "Eu disse que a comida aqui era ótima", comenta o Fat Jew, sinalizando para a garçonete e pedindo mais uma rodada de bebidas –rum punch, dessa vez.

Também recebemos um convidado inesperado. "Eu estava louca para vir à sua mesa", disse Anastasia, a dançarina, ao Fat Jew, acomodando-se ao lado dele. Ela é russa, tem 21 anos, e seus amigos em casa o adoram. Ela começou a dançar há pouco tempo, e está fazendo faculdade de recursos humanos, mas não diz onde. "Continue a viver o seu sonho, menina", o Fat Jew diz a ela.

Anastasia está sentada conosco há 15 minutos, e tem questões pertinentes a propor. Ela está na metade de uma pergunta sobre como é passar a infância em Nova York quando o DJ a chama ao palco –hora de dançar de novo. O Fat Jew marca um encontro com ela no terraço do clube para uma foto, ao final da entrevista.

Continuamos conversando sobre sua formação. Ele cresceu no próspero bairro do Upper West Side. Apanhando seu iPhone –não pela primeira e nem pela última vez–, ele me mostra fotos da mãe, Rebecca, que trabalhava como nutricionista, e do pai, Saul, radiologista. Ele conta ter estudado em colégio privado, onde diz ter sido exposto desde menino ao glamour e hedonismo da elite endinheirada. "Comparativamente, diante do resto do mundo, éramos ricos. Mas o mundo das escolas particulares de Nova York é uma bolha. Havia muita grana, mas minha família estava na ponta baixa da escala".

"Tipo, eu estudava com os filhos de magnatas internacionais, moleques que iam de helicóptero à escola, que cheiravam cocaína aos 15 anos. Um pessoal barra pesada, e que estava completamente estourado aos 22 anos, por aí. Era maravilhoso e ridículo. A molecada que cresce nas grandes cidades está sempre à frente da curva".

Ele diz que largou a Universidade de Nova York sem concluir o curso porque era "muito chato", e foi expulso de outra faculdade antes de se matricular na Universidade Estadual de Nova York, em Albany, para estudar jornalismo, em 2004. Foi lá que ele decidiu criar uma carreira sendo "profissionalmente ridículo", e se tornou parte de um grupo de rap que um jornal descreveu como mistura entre Barbra Streisand e o Wu Tang Clan. Em 2009, começou a se concentrar exclusivamente na comédia, e fundou sua empresa de mídia social. O que seus pais acharam?

"Eles trabalhavam pesado. Foco total. Meu pai nasceu na Rússia. Aos 13 anos, já tinha barba e emprego em uma fábrica. Eles viam graça no que eu fazia, mas não conseguiam entender de que jeito eu ganharia dinheiro com aquilo. E estavam certos, no começo. Mas na época era tudo pela notoriedade. Agora que sou capaz de monetizar a coisa, eles aderiram".

Até que ponto ele se considera judeu? "Em termos religiosos... hmm. Eu ia à sinagoga arrumar garotas; mas culturalmente, sou totalmente judeu –tenho toda essa ansiedade infundada; geneticamente, 100%– meus pelos púbicos são maiores que meu pênis. Mas falando sério, quando garotos judeus vêm me agradecer porque fiz com que ser judeu voltasse a ser bacana, fico orgulhoso".

A conversa dele, embora beire a hipérbole, é sempre muito envolvente. Termino meu rum punch, uma última injeção de açúcar, e subimos três lances de escadas –passando por quatro palcos e pelas suítes VIP– para chegar ao terraço no topo do prédio. Anastasia tirou seus mortíferos sapatos com saltos metálicos altíssimos e está guardando o maço de notas de US$ 1 preso ao seu tornozelo por um elástico. O gerente do clube se uniu a nós para a sessão fotográfica improvisada.

Acendendo um cigarro e posando para selfies com os fãs, o Fat Jew me oferece mais uma interpretação sobre sua filosofia despreocupada: "Plataformas de mídia social vêm e vão. Veja o Facebook, como deixou de ser bacana. Posso continuar bacana na mídia convencional. E se eu enriquecer ao longo do caminho, vou comprar uma girafa –e um plano odontológico completo. Esse é meu lado judeu".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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