Folha de S. Paulo


Redes sociais criam novas datas festivas, como "Dia do Minicraque"

A maioria dos usuários do Instagram compartilha suas fotos instantaneamente. Mas Leila Khan algumas vezes aguarda seis semanas. Esse foi o tempo que ela esperou para postar uma foto em que comia uma melancia com uma colher.

Khan, uma menina de 13 anos da cidade de Palo Alto, no estado americano da Califórnia, faz um grande planejamento para seus posts no Instagram. Um dos principais critérios é encontrar o momento certo. E ela finalmente achou uma razão para publicar a foto nesta segunda-feira (3): é o Dia Nacional da Melancia nos EUA.

"Vai ser como 'P.S.: hoje é o Dia da Melancia'", disse Khan a alguns amigos durante um passeio ao shopping.

Levando em conta que o Dia Nacional da Melancia, assim como muitos feriados nacionais, tem crescido nas redes sociais, Khan não estará sozinha. As pessoas vão discutir melancias no Twitter. Talvez alguém apareça com alguma estatística de quantos galões de água são necessários para fazer crescer uma única melancia no clima desértico da Califórnia.

Talvez outras pessoas, se sentindo deslocadas, vão perguntar para todos os amigos no Facebook por que a "timeline" de repente está cheia de melancias.

Eve Donnally
Leila Khan esperou até a segunda-feira (3) para publicar esta foto dela comendo uma melancia
Leila Khan esperou até a segunda-feira (3) para publicar esta foto dela comendo uma melancia

As redes sociais não criaram o Dia Nacional da Melancia, que tem sido comemorado pela Associação Nacional da Melancia, no dia 3 de agosto, desde que as pessoas têm lembranças. Datas comemorativas estranhas são uma tradição de décadas e dá ao comércio um motivo para se promover e às emissoras de televisão algo para ocupar a programação.

O que as redes sociais têm feito, entretanto, é criar a necessidade para bilhões de pessoas terem algo a dizer. O resultado é uma série de novas datas comemorativas como o Dia da Estampa e o Dia de Avisar sobre Instrumentos Estranhos, que parecem existir apenas na internet.

"Todo mundo está tentando encontrar algo para falar quando não há nada para ser dito", afirma John-Bryan Hopkins, um consultor de mídias sociais e dono do "Foodimentary, um site dedicado a datas sobre comida.

Khan não tem "uma paixão por melancias", e sua foto comendo uma não foi um evento memorável. Era apenas um dia quente em junho. Ela e uma amiga compraram uma melancia, e alguém tirou uma foto.

O que levanta a questão: por que esperar até 3 de agosto para postar a foto?

"Seria esquisito se eu publicasse do nada uma foto minha comendo melancia", explica.

"Mas se tivesse um contexto, como o Dia Nacional da Melancia, então é como se fosse um post", explica a amiga Lucy Nemerov, 13.

Americanos gastam um pouco mais de uma hora por dia usando redes sociais, de acordo com a empresa de pesquisa de mercado eMarketer. No Instagram e no Twitter, todo dia é uma ocasião nacional para postar uma foto de um amigo, bichinho de estimação, jantar ou corte de cabelo.

Se algum deles conta como feriado, é uma questão filosófica. Pegue o "Throwback Thursday" ("Quinta-feira do fundo do baú", em inglês) -#TBT nas redes sociais-, um evento semanal no qual milhões de pessoas compartilham fotos da infância e outros momentos antigos. Está longe de ser um feriado nacional, mas é tão confiável quanto o Natal, ao menos nas mídias sociais.

"Muitas dessas coisas se tornam coisas populares", disse Blake Barnes, gerente do Instagram. "Minha mãe postou um #TBT algumas semanas atrás."

Cecilia Salas, 19, estudante universitária e usuária frequente das redes sociais, disse que posta em média uma foto por semana de algum "dia nacional" Os mais recentes incluem o Dia Nacional do Sorvete, Dia Nacional da Pizza de Queijo e o Dia Nacional de Abraçar o Seu Gato.

Geralmente eu apenas olho as tendências no Twitter e, se eu gostar, acabo participando. Se não gostar, apenas olho as fotos", disse. "Eu tiro muitas selfies, então acabo publicando aquelas que tenham a ver com o tema.

Na quarta-feira, por exemplo, ela postou uma foto da parte debaixo do rosto no Dia Nacional do Batom. Salas tinha tirado a foto há três meses. "Eu estava guardando para o momento perfeito", afirmou.

Ninguém tem a última palavra em nada na internet, e isso inclui feriados. O "Calendário de Eventos do Chase, que é publicado desde 1957 e inclui centenas de datas comemorativas menos famosas, incluindo o Dia de Abraçar um Medievalista, é o mais próximo de uma autoridade.

Mas hoje o livro compete com um número crescente de calendários on-line como "Brownielocks, "Checkiday, "Wellcat e "Days of the Year, que listam cerca de 1.300 datas comemorativas, incluindo Dia do Chocolate ao Leite, Dia das Namoradas e Dia de Levar Sua Planta para uma Caminhada.

Hopkins, do "Foodimentary", disse que listou cerca de 120 datas ligadas à comida. Ele revisa o calendário anualmente, adicionando novas datas e retirando as que não pegam. Este ano, "Foodimentary" vai celebrar o primeiro Dia da Cerveja Pale Ale Indiana, em homenagem ao tipo de cerveja.

Hopkins, também consultor das redes sociais, não vende anúncios em seu site. Ele faz isso por atenção -e por cliques.

Mas Marlo Anderson criou um negócio a partir das datas comemorativas, cobrando de clientes como o "Hall da Fama Nacional dos Minicraques US$ 1.500 para ter o Dia Nacional do Minicraque em seu site, "Calendário do Dia Nacional.

"Acho que poderíamos ter declarado o dia por nós mesmos", diz Phil Sklar, cofundador e chefe-executivo do museu dos minicraques. "Mas entrar no 'Calendário do Dia Nacional' nos dá legitimidade.

Com muitos calendários competindo, conflitos são inevitáveis. Hopkins, por exemplo, conta o Dia Nacional do Brownie quatro vezes.

William Wildridge tentou resolver esse problema ao deixar o povo decidir. O site dele, "WhatNationalDayIsIt.com, usa um algoritmo para organizar os milhões de posts no Twitter contendo as palavras "nacional" e "dia".

A ideia é que hoje poder ser o dia que o Twitter diz que é. Ele analisou 2,3 milhões de posts nessa rede social e, no processo, recebeu um retrato da identidade coletiva da internet. O que ele aprendeu é que as pessoas dizem muitas coisas grosseiras no Twitter, mas o que passa nesse filtro tende a ser positivo.

Pegue o Dia Nacional do Sexo (#NationalSexDay), que começou forte, mas acabou tendo uma colocação baixa no ranking, porque ninguém quer escrever sobre ele. Os dias, na maioria, são compartilhados com os melhores amigos, irmãos.

Datas comemorativas podem ser mais sobre melancias e abraços, claro. Mas a Organização das Nações Unidas reconheceu o aniversário de Nelson Mandela, em 18 de julho, como Dia do Mandela.

Mas isso se tornou um problema para Jono Alderson, dono do "Days of the Year". É difícil conciliar ter um dia em homenagem a um homem que lutou contra o apartheid no mesmo calendário que comemorações a pirulitos, guarda-chuvas e vacas.

"É um pouco constrangedor", diz Alderson, que lista 18 de julho como o Dia Nacional do Caviar.

O site de Alderson está localizado em York, no Reino Unido, mas, segundo o dono, 90% dos acessos são de americanos.

Isso não é um acidente. Uma das primeiras coisas que os colonos americanos fizeram quando ser revoltaram contra o Reino Unido foi acabar com o calendário britânico, diz Leigh Eric Schmidt, autor de "Consumer Rites: The Buying and Selling of American Holidays."

Desde então, os EUA criaram diversos novos feriados que incorporam duas tendências muito americanas: a própria invenção e uma desculpa para vender produtos. O comércio inventou a maior parte dessas datas comemorativas menos conhecidas, diz Schmidt, mas as redes sociais têm colocado o poder novamente nas mãos das pessoas.

"Para mim, parece que esse poder está sendo tirado das mãos das organizações comerciais, que não são mais a origem da criatividade", afirmou.


Endereço da página: