Folha de S. Paulo


Motorista lê e-mail, tira selfie e até faz videochamada nos EUA, diz estudo

Jason Tester/Guerrilla Futures/CreativeCommons
Motorista do Uber em carro com smartphone, tablet e tela de navegação integrada em San Francisco
Motorista do Uber em carro com smartphone, tablet e tela de navegação integrada em San Francisco

Os celulares estão ficando mais inteligentes, mas a inteligência dos motoristas parece estar diminuindo.

Uma pesquisa divulgada na manhã desta terça-feira (19) mostra que muitos motoristas expandiram as atividades que realizam por trás do volante para além das mensagens de texto, e agora usam o Facebook, o Snapchat e o Twitter, e até gravam vídeos, enquanto dirigem.

A pesquisa foi encomendada pela operadora de telefonia AT&T, que investiu pesadamente em desencorajar distrações ao volante por meio de uma campanha de serviço público com o tema "deixe para depois". A pesquisa sobre o uso de celulares foi conduzida pela Braun Research, que entrevistou 2.067 pessoas que têm smartphones e dirigem seus carros ao menos uma vez por dia.

A pesquisa constatou que 27% dos motoristas com idades dos 16 aos 65 anos reportam usar o Facebook e 14% reportam usar o Twitter. Destes, espantosos 30% disseram postar no Twitter enquanto dirigem "o tempo todo".

"Dos entrevistados, 10% disseram que fazem chats em vídeo enquanto dirigem; nem tenho palavras para comentar", disse Lori Lee, vice-presidente executiva sênior de marketing da AT&T.

Documentário "From One Second To The Next", por Werner Herzog

A pesquisa constatou que 17% dos motoristas tiram selfies, o que talvez sirva como metáfora perfeita para ignorar as demais pessoas e veículos na rua. Também constatou que mensagens de texto continuam a ser a atividade mais comum, reportada por 61% dos motoristas, seguida por e-mail, com 33%, e navegar pela Internet, com 28%. Mais de 10% dos motoristas usam Instagram e Snapchat ao volante.

A pesquisa obviamente serve apenas como indicador. Mas existem outros indícios que sugerem que o comportamento dos motoristas está se tornando mais insensato, mesmo diante de campanhas de utilidade pública e leis. O Estado do Oklahoma este mês adotou uma lei que proíbe mensagens de texto por motoristas ao volante, se unindo aos outros 45 Estados norte-americanos e ao governo do distrito federal, que já adotaram leis parecidas.

Mas a AAA Foundation for Traffic Safety, que conduz uma pesquisa anual sobre o comportamento dos motoristas, constatou em sua pesquisa de 2014 que 36,1% dos motoristas leram mensagens de texto ou e-mails ao volante nos 30 dias anteriores ao levantamento, e 27,1% deles digitaram esse tipo de mensagem enquanto dirigiam.

Os números representam alta ante o resultado de dois anos atrás, quando 34,7% motoristas leram e 26,2% dos motoristas digitaram esse tipo de mensagem ao volante.

O Conselho Nacional de Segurança, uma organização sem fins lucrativos norte-americana, também estimou na segunda-feira que o número de acidentes com motoristas que estavam digitando agora responde por 6% do total de colisões, ante os 5% estimados para o ano passado. (Os números são simples estimativas. As agências policiais não vêm recolhendo dados concretos sobre esse tipo de incidente há muito tempo, e os motoristas podem não admitir que digitar ao volante tenha causado a colisão, de acordo com ativistas da segurança no trânsito.)

Mesmo que esses aumentos no número de acidentes e no uso de mensagens de texto ao volante sejam modestos, ainda revelam o desafio que as autoridades e os ativistas da segurança no trânsito precisam enfrentar.

INCONGRUÊNCIA

Curiosamente, a proporção de motoristas cientes quanto aos riscos está em alta. Na pesquisa da AAA em 2014, 84,4% dos entrevistados declararam ser "completamente inaceitável" que alguém dirija enquanto digita mensagens de texto.

O que explica esse descompasso, então?

Ao longo dos anos em que venho cobrindo esse problema, ouvi diversas explicações, de cientistas e de especialistas em políticas públicas, que revelam algumas possíveis razões.

Para começar, os esforços de segurança e de política pública para desencorajar a distração dos motoristas contradizem frontalmente a pressão social para que as pessoas se mantenham sempre conectadas. Isso se resume na ideia do momento para o setor automobilístico: informação e entretenimento combinados em uma tela de toque.

E os aparelhos podem parecer irresistíveis. Na nova pesquisa da AT&T, 22% dos respondentes que acessam a mídia social ao volante dizem que o fazem porque se sentem viciados. Crescentes indícios sugerem que o uso pesado do smartphone, se não vicia de fato, pelo menos forma hábitos.

Os motoristas também superestimam sua capacidade para realizar múltiplas tarefas enquanto dirigem, e criticam outras pessoas que fazem o mesmo. Na pesquisa da AT%T, 27% das pessoas que gravaram vídeos ao volante disseram se considerar capazes de fazê-lo com segurança. Mas Lee as define como "um acidente esperando para acontecer".

A companhia, que iniciou a campanha do "deixe para mais tarde" em 2010, planeja expandir sua mensagem para desencorajar não só as mensagens de texto mas outras atividades realizadas por meio de smartphones.

O que se pode fazer para reduzir a distância entre a opinião teórica dos motoristas e suas atividades práticas? Algumas lições quanto à moderação desse tipo de comportamento podem ser extraídas do sucesso dos esforços para reduzir a embriaguez ao volante e para promover o uso do cinto de segurança. As duas coisas dependeram de uma combinação entre esforços de educação pública e imposição de leis severas.

Mas dadas as vigorosas forças sociais e de mercado que a tecnologia traz e não estavam presentes quanto às questões mencionadas, fica difícil determinar se será possível repetir o padrão.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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