Folha de S. Paulo


Grooveshark entra para a história, mas deve virar serviço de código aberto

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Versão do Grooveshark que voltou ao ar na semana passada
Versão do Grooveshark que voltou ao ar na semana passada

No último dia 30 de abril, os usuários do Grooveshark acordaram de luto. O serviço de streaming de música abandonou a batalha contra a indústria fonográfica e fechou as portas, deixando para trás um acervo gigante e uma base importante de rádios virtuais e playlists.

Ele, porém, já tinha o seu lugar na história dos serviços musicais. O site está para o streaming assim como o Napster está para o MP3 –nenhum dos dois criaram seus respectivos formatos de compartilhamento e consumo, mas foram fundamentais em sua popularização.

O Grooveshark foi um dos primeiros sites a apostar no streaming ilimitado de músicas –o usuário escutava aquilo que queria quando queria. Fundado em 2007, surgiu apenas dois anos após a criação do YouTube – antes que o site de vídeos passasse a receber arquivos musicais em larga escala para quem quisesse ouvir.

Nos EUA, serviços como Rhapsody e Pandora já permitiam streaming antes do Grooveshark. No Brasil, sites como a Usina do Som (fechado em 2005) e os grandes portais de internet também. Mas o modelo sempre foi mais parecido com o de rádio, no qual o usuário não tem total controle daquilo que escuta.

Além disso, a maioria dos serviços tinha alcance limitado. Podiam estar disponíveis em alguns países, mas em outros não. O Spotify, por exemplo, foi fundado em 2008 e só chegou ao Brasil seis anos depois. O Grooveshark, ao contrário, funcionava na maioria dos países.

A novidade no formato e a falta de concorrentes globais turbinaram o serviço. No começo desta década, reinava quase sozinho no mercado –chegou a ser eleito pela revista "Time" como um dos sites mais importantes de 2010. No Brasil, caiu no gosto de fãs de música e tecnologia.

FRONTEIRA

Junto com a popularidade, vieram os processos. Em 2011, teve início a batalha judicial que culminou com o fechamento do serviço. A empresa responsável, a Escape Media Group, poderia ser condenada a pagar US$ 736 milhões. Nem acordos extrajudiciais firmados em 2012 com gravadoras, como Sony e EMI, acalmaram a indústria fonográfica.

Na carta de despedida no site, o Grooveshark admitiu alguns dos seus erros. "Apesar das melhores intenções, nós cometemos erros muito graves. Nós não conseguimos garantir o licenciamento de direitos autorais para grande quantidade das músicas no serviço", dizia trecho.

A estrutura da plataforma, argumentava seus criadores, contribuía para a dificuldade no licenciamento. O Grooveshark era uma espécie de repositório gigante de canções. Seu catálogo era composto por aquilo que seus usuários carregassem nos seus servidores. Era como se cada um compartilhasse sua própria coleção de canções.

Então, uma música sem licença removida um dia poderia ressurgir logo em seguida pelas mãos de outros usuários. O que pesou contra o Grooveshark é que, segundo as gravadoras, os próprios funcionários da companhia carregaram milhares de músicas, o que comprovaria sua intenção de oferecer determinadas canções. A acusação foi feita em 2011 pela Universal Music, e admitida em seguida por Paul Geller, vice-presidente de desenvolvimento de negócios do Grooveshark.

Dessa maneira, operando na fronteira da ilegalidade, o Grooveshark também entra para a história como um dos últimos grandes serviços piratas de música. Claro, a pirataria não deixará de existir completamente, mas grandes serviços ligados a isso, como foi o Napster ou o Kazaa, parecem dar espaço a formas mais fragmentadas de obter arquivos musicais –como diferentes clientes do protocolo BitTorrent e sites e blogs obscuros.

Além disso, o streaming pago, que existe também graças ao que o Grooveshark não fez, já consegue aliviar os efeitos da pirataria.

Segundo a Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI, na sigla em inglês), a pirataria de música foi praticamente eliminada na Noruega, por exemplo. O relatório do último mês de fevereiro mostra que apenas 4% das pessoas abaixo dos 30 anos baixaram músicas ilegalmente. Em 2009, o número era de 80%.

No Brasil, o streaming já corresponde a 51% das vendas digitais, segundo a ABPD (Associação Brasileira dos Produtores de Disco).

Mesmo assim, a pressão contra serviços de streaming continua –a morte do Grooveshark serve para renovar as forças da indústria. Já há rumores de que gravadoras e até a Apple estão pressionando o Spotify a encerrar o seu modo gratuito. Os lucros com modelos pagos são grandes.

No último mês de fevereiro, a consultoria Ernst & Young revelou que, na França, de cada € 9,99 pagos em assinaturas de serviços de streaming 73% da receita líquida (já descontados os impostos) vão para gravadoras; 16% para publishers e 11% para artistas.

INDEPENDENTES

A vitória das gravadoras, porém, foi uma derrota para artistas independentes. Bandas pequenas carregavam suas próprias músicas, o que permitia serem descobertos pelos serviços de recomendação e rádio. O fim do Grooveshark acaba com um grande acervo de música independente.

Claro, artistas independentes podem carregar suas canções em serviços como SoundCloud e BandCamp, mas nenhum deles permite ser descoberto por fãs de artistas já consagrados.

Outra opção é ter as músicas em serviços como Spotify e Deezer, mas isso normalmente é feito por empresas de distribuição que cobram taxas para levar um disco aos serviços. Um deles, o ONErpm, faz essa ponte gratuitamente, mas fica com 30% do faturamento resultante. No caso de plataformas de venda, como o iTunes, a empresa brasileira cobra R$ 75 por disco.

RETORNO ABERTO

Um dia após o fim do Grooveshark, uma pessoa identificada apenas como "Shark" disparou e-mails para diversos veículos americanos afirmando que tinha trazido o serviço de volta à vida no endereço grooveshark.io.

Segundo as mensagens, ele teria feito backup de 90% do acervo do site original quando percebeu que ele poderia ser fechado. Nessa nova encarnação, é possível até baixar os arquivos.

A Folha teve um contato rápido com "Shark". Ele afirmou que já teve que mudar de serviço de hospedagem quatro vezes desde o anúncio do retorno. Além disso, disse que recebeu tantas ofertas de ajuda de desenvolvedores independentes que tornará o Grooveshark um serviço de código aberto.

"Temos certeza de que com a ajuda de talentosos desenvolvedores fãs de música de todo o mundo, o Grooveshark se tornará melhor e mais forte do que era", escreveu.


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