Folha de S. Paulo


Projetos grátis ensinam programação de computadores para crianças

Quando dava aula de webdesign para adultos no Complexo do Alemão, no Rio, o analista de sistemas Felipe Fernandes, 33, notou que seus alunos tinham dificuldades ao fazerem as lições de linguagens de programação.

Na busca por uma metodologia mais acessível, esbarrou no Code Club, um projeto de duas britânicas para ensinar programação para crianças de um jeito simples. Em vez de apenas adotar o método, Fernandes resolveu engajar-se na iniciativa e, em 2013, fundou o segundo clube brasileiro –já havia um começando no Rio Grande do Sul.

Hoje, ele é o coordenador do Code Club no Brasil e ajuda a organizar as atividades entre os estimados 80 clubes, 300 voluntários e 1.000 alunos espalhados pelo país. Seu maior objetivo, disse à Folha, é convencer pais, educadores e políticos dos benefícios que o ensino dos códigos pode trazer para as crianças.

"A programação é importante não para formar profissionais da área, mas porque ensina a criança a pensar", diz. "Além disso, ela muda sua relação com a tecnologia. Ao invés de simplesmente usar o computador de uma forma passiva, como um depósito de informações, você passa a usá-lo para criar".

Propositalmente ou não, Fernandes parafraseava o ex-presidente da Apple Steve Jobs que defendeu, em 1995, que o ensino da programação devia ser uma "liberal art", ou seja, fazer parte da formação básica de estudantes.

Nos últimos anos, argumentos parecidos com os de Fernandes e de Jobs, que atribuem um significado pedagógico e político à causa, tem sido usados para promovê-la.

"A ciência da computação é fundamental para qualquer carreira do século 21. Todas as nossas crianças precisam de acesso aos conhecimentos básicos. Todo estudante aprende a dissecar um sapo, como funciona a a eletricidade e o que H2O significa. Hoje, também é importante aprender como 'dissecar um app', como a internet funciona ou o que HTTP significa." disse por email à Folha o empresário Hadi Partovi.

Iraniano radicado nos EUA, Partovi fundou o Code.org, uma das maiores iniciativas do mundo para popularizar o ensino de programação.

Em 2013, o projeto reuniu personalidades como Mark Zuckerberg, Bill Gates e Barack Obama para produzir um vídeo destacando a importância do assunto e pedindo fundos para ensinar pelo menos uma hora de código para crianças de 166 países – arrecadou US$ 1 milhão.

Neste ano, Partovi tenta arrecadar US$ 5 milhões para treinar 10 mil professores e dar aulas a 100 milhões de crianças. Para tanto, conseguiu ajuda de várias das maiores –e tradicionalmente rivais– empresas de tecnologia, como Apple, Google, Facebook e Microsoft.

"O fato é que a tecnologia está em todo o lugar. Não precisamos que todos os estudantes sejam engenheiros, mas a maioria dos políticos e advogados de hoje não tem ideia de como um website funciona e, ainda assim, são eles que regulam a internet.", defende Partovi.

A necessidade da universalização do ensino de programação, entretanto, não é um consenso.

"Aprender a programar nos fará questionar toda a manipulação tecnológica que nos cerca. Tanto quanto aprender a ler nos faz questionar a propaganda [ideológica]", ironizou no Twitter o escritor e colunista da Folha Evgeny Morozov, crítico frequente do "solucionismo" (termo que cunhou para a ideia, supostamente corrente, de que qualquer problema pode ser resolvido pela tecnologia).

EXPANSÃO

De qualquer forma, a escala, o dinheiro e os improváveis parceiros que se uniram sob o Code.org sugerem a força que a ideia tem ganho.

O Code Club, citado antes, foi fundado em 2012, no Reino Unido, pelas britânicas Clare Sutcliffe e Linda Sandvik com um objetivo similar ao de Partovi: dar oportunidade a toda criança de ser apresentada à programação de computadores.

O método escolhido foi criar um curso básico de programação que usasse elementos atrativos para as crianças –como jogos de computador– e angariar voluntários pelo mundo que traduzissem e aplicassem os materiais desenvolvidos em reuniões periódicas com alunos. Hoje, segundo seu site, há 2.265 clubes pelo mundo.

O projeto, junto com outras iniciativas similares, conseguiu chamar a atenção do governo britânico para a questão e, desde o mês passado, todas as escolas do país passaram a oferecer, na grade curricular obrigatória, disciplinas sobre o assunto.

Movimento similar acontece em algumas cidades americanas, como Chicago e Los Angeles, que recentemente anunciaram planos de introduzir a programação na rede de ensino.

No Brasil, iniciativas do tipo engatinham, mas crescem. Em outubro, a Fundação Lemann, organização filantrópica do bilionário Jorge Paulo Lemann, lançou o site Programaê, que funciona como agregador de várias iniciativas, entre elas os próprio Code Club e Code.org. No site, o usuário tem acesso gratuito a tutoriais dos projetos traduzidos para o português. A Microsoft também anunciou recentemente uma campanha para divulgar o ensino de código no país, chamado "Eu Posso Programar".

Como as próprias empresas de tecnologia admitem, seu interesse não é apenas filantrópico. Segundo um estudo de 2013 da consultoria IDC, só no Brasil, cerca de 117 mil vagas de TI ficarão abertas por falta de mão de obra qualificada.

Editoria de Arte/Folhapress

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