Folha de S. Paulo


'Limpeza' do Orkut deu dor de cabeça, mas fortaleceu direitos humanos

Lembro-me como se fosse hoje do convite que recebi, em 23 de março de 2004, para ingressar no Orkut, que naquela época funcionava como uma espécie de clube só para convidados.

Naquele ano eu fazia uma pesquisa de campo para a Cida (Agência Internacional de Desenvolvimento do Canadá) sobre o Enfrentamento à Pornografia Infantil no Brasil e trabalhava na criação do primeiro canal de denúncias de crimes na web no país.

No final de 2004 começamos a receber as primeiras denúncias de pornografia infantil no Orkut, e no ano seguinte somaram-se centenas de outras envolvendo páginas racistas e homofóbicas.

A resistência inicial do Google em cooperar na identificação dos criminosos que estavam colocando em risco a vida de milhares de usuários do serviço no Brasil me levou a bater às portas do Ministério Público Federal, que em fevereiro de 2006 abriu uma investigação especial.

Em 2008 o Google jogou a toalha e assinou um acordo com o MPF e passou a trabalhar efetivamente com a SaferNet. Desde então, foram:

  • 2.586.188 denúncias anônimas
  • 359.886 páginas suspeitas de crimes
  • 117.416 links removidos do ar

A força tarefa para 'limpar o Orkut incluiu:

  • 15 engenheiros de software
  • 14 Procuradores da República
  • 11 Delegados da Polícia Federal
  • 9 Promotores de Justiça

Essas páginas foram encaminhadas ao Ministério Público para investigação.

A força-tarefa para limpar o Orkut envolveu pelo menos 15 engenheiros de software, 14 procuradores da República, 11 delegados da Polícia Federal, 9 promotores de Justiça, 6 senadores e até um ex-ministro da Justiça.

As dores de cabeça que o Orkut produziu nos seus 10 anos de existência tiveram um caráter positivo para a sociedade, que passou a perceber a necessidade de proteger os direitos humanos tanto no mundo real quanto nos ambientes on-line.

Ao abrigar em algumas de suas páginas o lado sombio e abominável da humanidade, o Orkut me ensinou há dez anos que as redes sociais nada mais são que uma caixa de ressonância de tudo o que existe de melhor e de pior na sociedade.

* THIAGO TAVARES, 35, é o fundador e presidente da SaferNet Brasil e conselheiro do CGI.br. Em 2013, recebeu o Prêmio Nacional de Direitos Humanos


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