Folha de S. Paulo


Sucesso do relógio inteligente da Apple pode depender de parcerias de saúde

A Apple está tentando criar uma nova experiência do tipo iPod.

A companhia não foi a primeira a criar um player digital de música, ao lançar o iPod 13 anos atrás. Mas o aparelho, com seu controle inovador e integração enxuta com o software iTunes instalado em um computador, ajudou a promover a viabilidade comercial da música digital.

A Apple tampouco será a primeira empresa a lançar um relógio inteligente ao apresentar seu muito aguardado relógio inteligente, na terça-feira (9), em companhia de dois novos modelos do iPhone. Mas se ela acertar com o produto, pode se tornar a primeira empresa a fazer com que o comprador médio sinta vontade de adquirir um desses aparelhos.

Os computadores ditos "vestíveis" –para usar no pulso, lapela ou mesmo na cabeça– até agora se tornaram populares apenas entre os maníacos por gadgets e exercícios físicos, que querem contar cada caloria. Embora muita atenção tenha sido dedicada ao Google Glass, por exemplo, o computador em forma de óculos é tão conhecido pelas controvérsias que causa com relação à privacidade quanto por suas inovações tecnológicas.

Os relógios inteligentes não se saíram muito melhor. A Samsung, maior rival da Apple, introduziu o primeiro de seus seis modelos do produto no ano passado com um comercial que falava de relógios de ficção científica, em desenhos e filmes como "Os Jetsons" e "Jornada nas Estrelas". Uma longa lista de outras empresas, como a Motorola e LG, também lançaram relógios inteligentes, mas nenhum deles se provou tão popular quanto os filmes e programas de TV que a Samsung citou em seu comercial.

Isso deixou uma abertura para a Apple, com o produto que a mídia apelidou de iWatch? Pode ser, dizem os analistas, se a companhia conseguir cortejar parceiros em outros setores, como a saúde –monitoração de saúde é visto como um dos principais recursos do novo aparelho–, de maneira tão inteligente quanto cortejou a indústria da música.

A Apple, sediada em Cupertino, Califórnia, passou anos negociando com o setor de música para permitir venda legal de música na iTunes, o que só aconteceu dois anos depois que o iPod chegou ao mercado. "Acredito que eles estejam fazendo o mesmo no mercado da saúde", disse Tim Bajarin, analista da Creative Strategies.

Reprodução/Belm Designs
Criação de artista visual imagina como seria um possível
Criação de artista visual imagina como seria um possível "iWatch", relógio inteligente da Apple

Nem todo mundo acredita que os consumidores venham a adotar os "smartwatches" só porque a Apple decidiu produzir um deles. Jan Dawson, analista independente de tecnologia na Jackdaw Research, conduziu pesquisas com milhares de consumidores e constatou que o interesse por alguns dos recursos dos relógios inteligentes, como o acompanhamento de exercícios físicos e os pagamentos móveis, não era grande.

"Os relógios inteligentes, em sua forma atual, estão tentando satisfazer necessidades que as pessoas simplesmente não têm", disse Dawson.

Pouco se conhece publicamente sobre o que exatamente o relógio da Apple fará a não ser registrar estatísticas de exercício, realizar pagamentos sem fio e algumas tarefas de computação, como o acesso a mapas.

A Apple projeta tanto o hardware quanto o software de seus produtos, o que confere a ela controle maior que o de seus rivais sobre coisas como o projeto de chips, a durabilidade das baterias e o uso de sensores inteligentes para monitorar as atividades de quem use o aparelho, diz Daniel Matte, analista do grupo de pesquisa Canalys.

Mas fabricar o produto é apenas o primeiro passo. A Apple precisa de ajuda de parceiros, como os desenvolvedores de aplicativos, os prestadores de serviço de saúde e as companhias de tecnologia médica, que ajudem a criar funções que deem as pessoas um motivo para desejar um computador no pulso, para começar, disse Mark McAndrew, sócio do escritório de advocacia Taft Stettinius & Hollister, que trabalha para clientes no ramo da ciência e saúde.

Fechar acordos com as gravadoras e persuadi-las a aceitar o preço de US$ 0,99 por canção da iTunes foi um dos motivos para que o iPod ganhasse popularidade, dizem analistas. Embora o aparelho em si fosse fácil de usar, o atrativo principal era ele oferecer acesso a um catálogo de música que os rivais da Apple não podiam prover, naquele momento.

Mas a privacidade dos pacientes, protegida rigorosamente pela Lei de Portabilidade e Proteção do Seguro Saúde, nos Estados Unidos, pode se provar uma questão complicada para a Apple, segundo McAndrew. A Apple terá de policiar cuidadosamente quaisquer aplicativos de saúde, para garantir que informações sensíveis sobre os pacientes não fiquem acessíveis a hackers, de qualquer forma, ele disse.

"É quanto a isso que as questões de privacidade se fazem sentir, porque os prestadores de serviço de saúde morrem de medo de violações de privacidade de dados", ele disse. "Eles precisam descobrir uma maneira de fazer com que esses provedores se sintam confortáveis com o produto".

A Apple tomou algumas medidas para proteger a privacidade de dados de saúde. Na semana passada, atualizou suas normas para desenvolvedores de "apps", e determinou que os aplicativos operem com o HealthKit, seu novo conjunto de instrumentos de rastreamento estatístico de saúde e forma física, não podem armazenar dados no serviço iCloud, entre outras normas.

Bajarin acredita que a Apple venha colaborando discretamente com parceiros no setor de saúde para criar seu relógio de monitoração de saúde. Este ano, quando ela lançou seu novo kit de instrumentos de rastreamento de saúde, a companhia informou estar colaborando com a Mayo Clinic e a Epic Systems, uma produtora de software de saúde.

Melhorar o monitoramento de saúde pode ser uma missão pessoal para a Apple. Na biografia de Walter Isaacson sobre Steve Jobs, uma história sobre o presidente-executivo da Apple morto em 2011, fala do ódio de Jobs pelo design de alguns dos aparelhos de saúde usados para tratá-lo de câncer em um hospital, tais como as máscaras de oxigênio e o monitor de oxigênio que ele usava no dedo.

"Nos seus anos finais, Steve teve um relacionamento incrivelmente difícil com o setor de saúde", disse Bajarin. "Essa é provavelmente uma das últimas grandes coisas que ele comandou pessoalmente".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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