Folha de S. Paulo


Opinião: 'Selfie' pós-sexo é quebrar o último tabu

"Com que cara você fica logo que acaba de fazer sexo?", pergunta. "Não, você primeiro, por favor." Esse é um diálogo que ninguém jamais teve, porque ou você faz sexo e descobre ou não faz e a questão continua um mistério. Ou continuava.

Vivemos em uma cultura pornô, uma hiper-realidade altamente sexuada na qual todo mundo ou está fazendo ou falando sobre o ato. Mas o sexo que permeia a vida cotidiana representa uma versão estilizada e asseada de algo muito mais íntimo. As pessoas que emprestam nomes, rostos e outras partes de seus corpos a esses produtos são celebridades e profissionais.

A "selfie" pós-sexo tirada por usuários do Instagram é algo diferente. Para começar, as imagens nada têm de sexy e representam uma grande intrusão na única -e talvez melhor- intimidade que nos resta em um mundo no qual tudo precisa ser compartilhado em uma linha do tempo a fim de provar que o fizemos.

Não estamos falando de uma versão digital do "já comi", nem daquele senso de importância que leva alguém a se achar o centro do universo. É reflexo da era dos smartphones, que custa a todos um pouco de inocência por conta de sua impetuosidade.

Assim, você não precisa ser ativista conservador para sentir que a "selfie" pós-sexo conduz o compartilhamento exagerado a um patamar inteiramente novo.

Não costumamos discutir o quanto sexo é banal. Cercados pelo brilho da pornografia disponível a todos, aquele momento nada glamoroso no qual você se ajeita na cama parece ser a última parte sagrada do ato.

Compartilhar esse momento representa quebrar o último tabu, o absoluto pico da intimidade.

É uma traição não só da pessoa que está deitada ao seu lado, enxugando a testa, mas de todos que já curtiram o momento de recuperar o fôlego. Não faz sentido romper fronteiras se aquilo que está rompendo é a coisa em si.

HARRIET WALKER é repórter de moda e comportamento e colunista do "Guardian"

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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