Folha de S. Paulo


Teles querem controlar identidade digital

As operadoras de telefonia lançaram hoje (24) uma nova estratégia: centralizar o controle de identificação digital de quem usa a internet.

Apesar de não ter havido menção explícita à agência americana NSA, o plano é colocado em marcha após o escândalo de espionagem que brotou no vácuo da falta de regulação sobre os dados de usuários.

A ideia é padronizar uma tecnologia que identifique cada usuário a partir do chip de seu celular, cada vez mais o meio dominante de acesso à internet. Essa identidade daria acesso a serviços na internet (como bancos e aplicativos de música) e comandaria também outros aparelhos, mesmo que não conectados diretamente à internet.

"A autenticação é o pesadelo dos usuários", afirmou Stéphane Richard, presidente da operadora francesa Orange. "A transmissão dos dados é feita sem encriptação, o que a torna fácil de interceptar, e muitas vezes o controle usado é o próprio email."

Na proposta apresentada hoje, o controle passa a ser feito a partir de dois dados: o cartão telefônico de cada aparelho (SIM card) e uma senha –o acesso via desktop não foi contemplado, ao menos no plano mostrado durante o Mobile World Congress, em Barcelona.

Para as teles, é uma tentativa de manter relevância no xadrez digital. Sua força original de receita, a transmissão de voz, declina rapidamente. Deve deixar de ser a fonte predominante em todo o planeta nos próximos anos, e em muitos lugares já ficou para trás. Por exemplo: uma das maiores operadoras da América Latina, a mexicana América Móvil, controladora da Claro no Brasil, viu sua fatia de receita com voz passar de 80% para 39% desde o ano 2000.

O cenário para as teles tampouco é róseo na transmissão de dados. O mercado foi largamente tomado pelos chamados OTT, jargão que o setor utiliza para descrever gente bem conhecida dos usuários, como Skype e WhatsApp. São empresas que utilizam a rede de dados das operadoras para criar seus próprios serviços e receitas (daí o nome "over the top", que dá origem à sigla).

No mais básico dos serviços digitais, a troca de mensagens, as operadoras já comem poeira.

No ano passado foram trocadas mais mensagens por aplicativos do que pelo tradicional SMS, segundo a consultoria Mason.

Daí a necessidade de marcar novos territórios para fazer frente ao crescente investimento que precisam fazer nas redes de transmissão –a estimativa mundial do setor para o restante da década é de US$ 1,7 trilhão, o equivalente a três quartos do PIB brasileiro no ano passado.

Para isso, tentam aproveitam o momento de discussão sobre segurança e privacidade na rede.

"Nossa indústria é a tecnologia que atinge mais gente no mundo, são 3,4 bilhões de pessoas", diz Anne Beuverot, diretora da GSMA, a associação das teles, numa oposição velada ao decantado número de 1 bilhão de usuários do Facebook. "As pessoas vão confiar nas operadoras", afirma o presidente da entidade, o norueguês Jon Fredrik Baksaas.

Falta, porém, combinar com "russos" como Jan Koum, o jovem de origem soviética que criou o WhatsApp a partir de uma técnica diferente de identificação do usuário, e americanos como Mark Zuckerberg e Larry Page, que transformaram suas plataformas (Facebook e Google, respectivamente) em uma porteira que dá acesso a muitos outros serviços, como provedores
de conteúdo e editores de texto.

As operadoras citaram a Amazon como possível parceiro, mas também ela já avançou bastante no seu próprio sistema de identificação.

É no controle da informação carregada pela identidade digital que está a mina de dinheiro dessas empresas. No modelo proposto pelas teles, passariam a ser elas as controladoras de quem sabe o quê: uma rede social não precisaria ter o endereço doméstico do usuário, assim como um banco não teria por que saber seu tipo sanguíneo.

O ponto mais questionável dos sistemas de identificação que hoje dominam o mercado –a falta de regulação– foi demarcado por Oliveir Piou, presidente da Gemalto, empresa holandesa de segurança digital e apoiadora do projeto. "No caso das operadoras, há supervisão das autoridades", afirmou.


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