Folha de S. Paulo


Opinião: Twitter passou de rede de notícias a ringue por atenções

Em certo momento, o Twitter e as demais redes sociais se tornaram menos sobre querer compartilhar as notícias e mais sobre querer sê-las.

Veja o caso Justin Bieber, por exemplo.

Assim que reportagens sobre a detenção do outrora angélico e problemático pop star canadense começaram a ser difundidas na web, o fluxo de reações tomou o Twitter, indo de piadas a comentários sagazes.

Mas, de longe, o maior enunciado foi algo como: "Por que isso é notícia?"

A resposta simples é que não era –não, pelo menos, a mais importante notícia naquele dia em particular. Mas o Twitter não é realmente sobre a coisa mais importante –deixou de ser sobre a relevância há muito tempo. O Twitter parece ter chegado a um divisor de águas, uma fase durante a qual seus colaboradores deixaram de tentar tornar o serviço tão útil quanto possível para o público, e, em vez disso, estão tentando se distinguir uns dos outros.

É menos sobre navegar correnteza abaixo, absorvendo o que você pode enquanto flutua, e mais sobre tentar a manobra mais vistosa, angariando fãs e prêmios no caminho.

Como isso aconteceu?

Uma hipótese: a psicologia de grupo pode funcionar diferentemente no Twitter em relação a outras redes e sistemas sociais. Como usuária de longa data do serviço com um público mensurável, acho que o número de seguidores que você tem é muitas vezes irrelevante. O que importa, contudo, é quantas pessoas te percebem, seja por meio dos retweet (passar um tuíte para a frente), pelo número de favoritos (algo como a opção curtir) ou o Santo Graal: um retweet de alguém muito conhecido, como uma celebridade.

Esse tipo de validação que diz que sua contribuição é importante, interessante ou valiosa é prova social suficiente para encorajar a repetição. Muitas vezes, isso resulta em competição para tentar ser o mais alto ou mais retransmitido e citado como aquele que sintetizou o mais chamativo evento do dia da maneira mais concisa.

Como consequência, a juventude dos acontecimentos atropela a relevância, o que faz com que um único e relativamente desimportante assunto pode exasperar muito de uma comunidade ao longo de um dia. Há diversos outros eventos recentes, à parte da prisão do senhor Bieber, que cativou o Twitter ao ponto de exaustão.

Parece que estamos todos tentando, no Twitter, ser o convidado falastrão de um programa de auditório, um participante de reality show ou uma criança com uma tiara –fazendo a apresentação da vida por meio de um comentário fuzilante, um GIF animado ou resposta que nos ajudam a nos destacar da massa.

Estamos entregues à ideia de que caso sejamos bons o suficiente, isso poderia ser nossa passagem para o sucesso, fazendo-nos pousar em uma vaga numa seleção publicada no "BuzzFeed" ou no "Huffington Post", ou melhor, um trabalho como redator.

Mas, mais frequentemente, isso se traduz em subir em um caixote coletivo, acotovelando-nos uns aos outros por espaço, na esperança de ser creditado como o que produziu a melhor frase ou reação. Muito disso resulta hilário. Talvez uma quantidade igual causa exaustão.

Dizer que o serviço não é mais relevante ou informativo parece impreciso –muito do meu dia ainda é gasto navegando sobre o Twitter, buscando os melhores links, pensamentos e obras para examinar e compartilhar depois –mas é menos informado (e informativo) do que já foi.

Mais e mais vezes me vejo recorrendo a grupos menores, nos quais os ânimos são mais baixos e as pessoas são mais honestas, menos determinadas a provar um argumento, mais livre para brincar e experimentar, mais confiável e aberto a conversas verdadeiras.

O Twitter já se pareceu como um serviço de notícias, com relatos vindo de todo o mundo, de lugares e coisas, experiências e pessoas, e eu ainda quero que ele seja esse lugar. Ainda posso ter essa sensação, particularmente durante grandes eventos noticiosos que estão se desenrolando em tempo real. Isso é quando o Twitter brilha como um novo meio, quando estamos todos compartilhando e devorando os comentários oferecidos por pessoas in loco, âncoras de jornais, testemunhas oculares, comentaristas sarcásticos.

Mas a euforia desses momentos pode ter-nos condicionado a tratar até mesmo o menor incidente como um digno de dissecar, regurgitar e examinar até a morte. Estamos moendo, passando por cima, esperado nossa vez de falar e adicionar algo esperto à conversa, mesmo quando estaríamos melhores se não disséssemos qualquer coisa.

O Twitter está parecendo calcificado, desacelerado pelo peso de seus próprios usuários, desengonçado, menos empolgante do que cansativo. Esse pode ser o motivo por que formas menos públicas de conversa –mensageiros como Snapchat, GroupMe, Instagram Direct e mesmo grupos de e-mail antigos e Google groups – estão exercendo um papel maior e maior nas interações que tenho on-line.

Seria essa nova fadiga uma das facetas do relativamente simples design do Twitter? Seria ele incapaz de lidar com a complexidade dos muitos tópicos de conversa acontecendo ao mesmo tempo em seu sistema? Talvez. O Twitter já demonstrou alguma inclinação para tentar ajudar seus usuários a peneirarem o fluxo de informação para encontrar o que lhes cai melhor.

A companhia está experimentando contas que destacam tuítes ou contas que pessoas de sua rede começaram a seguir recentemente. Na nova versão do aplicativo, o Twitter também notifica quando pessoas da sua rede começam a falar sobre determinado tópico, como um programa de TV ou um evento esportivo, uma ferramenta informativa e útil. Mas, pelo menos por enquanto, o Twitter tem outros objetivos à sua frente, como transformar o serviço em uma plataforma frutífera para vendas e outras iniciativas a fim de tornar o serviço altamente rentável.

Mas mesmo se a empresa quisesse chamar a atenção e dar à sua comunidade algo outro que não as listas do Twitter e botões para bloquear ou dar "unfollow" para que os usuários refinem suas redes, provavelmente não será suficiente.

Nós, os usuários, os produtores, os consumidores –toda nossa energia maníaca, lutando para sermos percebidos, reconhecidos por uma contribuição importante à conversa– somos o problema, que é alimentado por nossa crescente necessidade de atenção e de validação por meio de "likes", favoritos, respostas, interações. É um ciclo de "feedback" que não pode ser interrompido, ao menos por enquanto.


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