Folha de S. Paulo


Programas robotizados que se passam por humanos crescem na rede e enganam usuários

Desde os primeiros dias da internet, programas robotizados, ou bots, vêm tentando se fazer passar por seres humanos.

Bots de chat recepcionam os usuários que chegam a salas de chat, por exemplo, ou os expulsam quando seu comportamento se torna inconveniente.

De forma mais insidiosa, bots de spam disparam e-mails indiscriminadamente anunciando ações com desempenho miraculoso e contas bancárias sem fiscalização na Nigéria.

Bots sedutores exibem fotos de belas mulheres para divulgar oportunidades de ganhos generosos para pessoas trabalhando sem sair de casa, e produtos farmacêuticos ilegais.

Agora temos os bots sociais. Esses charlatões automatizados estão programados para enviar e reproduzir tuítes.

Eles têm idiossincrasias, históricos e eloquência. Muitos contêm bancos de dados de eventos atuais, de modo que criam sentenças que parecem relevantes para a audiência alvo.

Seguem ciclos de sono e despertar que ajudam a tornar suas falsidades mais convincentes e os tornam menos propensos a seguir padrões repetitivos que os denunciem como reles programas.

Alguns contam com recursos adicionais, como o software de gestão de personas, que os torna mais reais ao acrescentar contas de Facebook, Reddit ou Foursquare coordenadas, o que gera para o bot um perfil on-line duradouro, e permite acúmulo de amigos e seguidores com ideias semelhantes.

Os pesquisadores afirmam que essa nova categoria de bots está sendo projetada não apenas com maior sofisticação como com objetivos mais grandiosos: influenciar eleições e o mercado de ações, atacar governos, ou até para flertar com pessoas ou outros bots.

"Os bots estão ficando mais inteligentes e mais fáceis de criar, e as pessoas estão mais suscetíveis a ser enganadas por eles porque estamos cada vez mais inundados de informações", disse Filippo Menczer, professor na Universidade de Indiana e um dos principais pesquisadores do Truthy, um programa de pesquisa que acompanha bots e tendências do Twitter em sua universidade.

AQUECIMENTO GLOBAL

Os bots sociais estão sendo colocados na web para muitos propósitos. Para irritar seus adversários, um criador de software da Austrália projetou um bot que responde automaticamente a tuítes de pessoas que negam a mudança no clima, rebatendo suas afirmações com argumentos e links que refutam suas posições.

Um engenheiro de segurança na Califórnia programou um bot para fazer reservas no State Bird Provisions, um restaurante da moda em San Francisco. Exércitos de bots mercenários podem ser comprados na web por apenas US$ 250.

Para alguns, o objetivo é conquistar mais popularidade. No mês passado, cientistas da Universidade Federal de Ouro Preto, no Brasil, revelaram que Carina Santos, jornalista com grande número de seguidores no Twitter, na verdade não era uma pessoa real, mas um robozinho criado por eles.

Com base na circulação dos tuítes do bot, dois sites respeitados de classificação do tráfego do Twitter, Twitalyzer e Klout, atribuem a Santos mais "influência" on-line do que Oprah Winfrey.

Outros bots têm ambições mais sorrateiras. No ano passado, dirigentes do PRI (Partido Revolucionário Institucional), que governa o México, foram acusados de usar bots para sabotar críticos do partido ao tomar o controle de algumas de suas hashtags e inundando o Twitter com posts idênticos, com o objetivo de causar a intervenção dos filtros de spam do site.

O Twitter logo passou a bloquear todo tuíte com os termos em questão, silenciando temporariamente os críticos do PRI --exatamente o objetivo do partido.

CONTRA O KREMLIN

Durante uma disputa sobre a eleição parlamentar russa de 2011, milhares de bots do Twitter, criados meses antes mas adormecidos até ali, subitamente começaram a postar centenas de mensagens ao dia contra os ativistas que se opõem ao Kremlin, com o objetivo de silenciá-los, de acordo com analistas de segurança.

Pesquisadores dizem que táticas semelhantes foram usadas mais recentemente pelo governo da Síria.

Os bots sociais estão aproveitando o universo cada vez mais amplo da mídia social. No ano passado, o número de contas no Twitter ultrapassou os 500 milhões. Alguns pesquisadores estimam que apenas 35% dos seguidores de um usuário médio do Twitter sejam pessoas reais.

De fato, mais de metade do tráfego da internet já vem de fontes não humanas, como bots ou outras formas de algoritmos. Dentro de dois anos, cerca de 10% das atividades ocorrendo nas redes sociais serão obra de bots disfarçados, de acordo com pesquisadores de tecnologia.

Os sites de encontros oferecem terreno especialmente fértil para os bots sociais. Trapaceiros costumam se esforçar para convencer pessoas solitárias a enviar dinheiro para pretendentes fictícios ou para atrair usuários a páginas pornográficas pagas.

O cofundador e diretor geral do OkCupid, Christian Rudder, diz que quando seu site recentemente adquiriu e reformulou um site menor, percebeu não só uma queda acentuada na presença de bots mas uma súbita redução de 15% no uso do novo site por pessoas reais.

A queda no tráfego ocorreu, ele sustenta, porque as mensagens de flerte e os "curtir" dos bots em perfis de participantes reais, no site antigo, criavam uma falsa sensação de intimidade e movimento.

"O amor estava no ar", diz Rudder. "Amor robotizado".

Rudder acrescentou que os programadores do OkCupid estão tentando criar bots para flertar com os bots invasores, conduzindo-os a uma sala especial, "uma espécie de purgatório", onde eles conversariam uns com os outros, em lugar de iludir os usuários humanos.

Anunciantes e grupos políticos também participam desse jogo de robôs.

No ano passado, pesquisadores do Health Media Collaboratory, da Universidade de Illinois em Chicago, constataram que cigarros eletrônicos estavam sendo pesadamente divulgados na mídia social em larga medida pela ação de bots, que espalhavam mensagens sobre o uso do produto por pessoas que desejavam parar de fumar cigarros comuns.

SEM REGULAÇÃO

Em 2010, pesquisadores do Truthy, na Universidade de Indiana, descobriram diversas contas de Twitter enviando mensagens duplicadas e reproduzindo tuítes de algumas poucas contas, em uma rede estreitamente conectada.

Duas dessas contas, por exemplo, enviaram 20 mil tuítes semelhantes, a maioria dos quais exibia links ou fazia promoção do site de John Boehner, então líder da minoria na Câmara dos EUA, antes das eleições legislativas daquele ano.

Boa parte da mídia social continua desregulamentada, sob as leis de financiamento e transparência de campanha. Até o momento, a Comissão Eleitoral Federal americana reluta em ingressar nesse terreno.

Mas os bots provavelmente ingressarão no nosso terreno, disse Tim Hwang, cientista-chefe da Pacific Social Architecting Corporation, que cria bots e tecnologias que podem orientar o comportamento social."Nossa visão é que no futuro próximo autômatos serão capazes de atrair multidões, abrir contas bancárias, escrever cartas", ele diz, "tudo por meio de prepostos humanos".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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