Folha de S. Paulo


'Trabalhar com games no Brasil é estilo bandeirante, cortando mato com facão', diz desenvolvedor

"Cadê o Mario? Não tem nenhum Pokémon? Não conheço ninguém", disse Daniel, 13, ao ser desafiado a identificar algum personagem da imagem abaixo, todos do mundo dos games.
Daniel é dono de um PS3 e jogador ávido de Nintendo 3DS, mas, mesmo assim, não conseguiu nomear um só herói da ilustração.

Também, pudera. Todos os personagens são de jogos brasileiros, um mercado que praticamente não existia há cerca de cinco anos e que, por isso, ainda permanece fora do radar mesmo de interessados em jogos eletrônicos -que ainda não são reconhecidos totalmente como cultura (ou arte) no Brasil.

"Trabalhar com games aqui no país é estilo bandeirante mesmo, cortando mato com facão", diz Marcos Venturelli, 27, game designer da Critical Studios, empresa carioca responsável pelo game "Dungeonland".

Mas, com muita teimosia, dedicação e cooperação, os estúdios brasileiros de games criaram uma extensa gama de heróis e vilões (e alguns que não são nem uma coisa, nem outra).
São personagens como o paraibano Biliu, de "Xilo", jogo de aventura em 2D inspirado na estética da xilogravura e que tem baião e forró na trilha sonora. O enredo usa o folclore nordestino e o cordel para contar partes da história.

Ou como o cão morto do lisérgico "Dead Dog in Space", ainda não lançado. Nele, o jogador terá a chance de jogar com um cachorro astronauta morto, controlado por moscas mutantes espaciais.

QUASE UMA FAMÍLIA

Cada estúdio tem seu estilo e sua forma de trabalhar, mas a cooperação mútua é um fator chave para a ascensão dos games independentes brasileiros, lá fora e aqui.

"Hoje em dia, o ambiente para desenvolver no Brasil está muito amigável, muito saudável", diz Venturelli.

"Antigamente rolava uma competição meio maluca entre os brasileiros, coisa sem o menor sentido. Hoje o pessoal percebeu que temos que unir forças. Acho que isso é o que me dá mais esperança no futuro da indústria."

Guilherme Henrique, diretor da Behold Studios, empresa responsável por "Knights of Pen & Paper", game que foi baixado mais de 600 mil vezes e rendeu R$ 1 milhão para a empresa, concorda.

"Esse clima de cooperação é bem importante mesmo. Ajudamos a divulgar jogos de outros estúdios mesmo que não ganhemos nada em troca. Na verdade, todos ganham: o mercado e os jogadores", afirma.

Eduardo Knapp/Folhapress
O casal Amora, 26, e Pedro Medeiros, 26, em frente à imagem do jogo
O casal Amora, 26, e Pedro Medeiros, 26, em frente à imagem do jogo "Out There Somewhere" do estúdio MiniBoss, fundado por eles

CONSELHOS PARA INICIANTES

Amora Bettany, fundadora do estúdio MiniBoss ("Out There Somewhere")
"A pessoa que quer trabalhar no mercado de games tem que saber se ela gosta de fazer jogos, ou se ela gosta apenas de jogar. Só gostar de jogos não é suficiente, tem que curtir o processo, tem que gostar de aprender, tem que achar legal chegar em casa e estudar arte, programação e game design. Tem gente que vê isso como um sacrifício --eu acho que a partir do momento em que isso vira uma coisa forçada, e não um prazer, não é mais natural e talvez a pessoa não goste realmente de fazer jogos só de jogar."

Marcos Venturelli, game designer do estúdio Critical ("Dungeonland")
"Parece um conselho besta, mas é impressionante a quantidade de gente que "adoraria", "sonha" ou "gostaria muito" de trabalhar com jogos e não faz nada a respeito. Não adianta estudar modelagem, ou C++, ou texturização de forma isolada e achar que está pronto pra indústria porque não está, de forma alguma. Tem que fazer um jogo. Fazer é maior que a soma das partes. Meu conselho é esse mesmo, se você quer trabalhar nesse mercado, faça jogos antes de tudo, hoje em dia tem muitas ferramentas, tem comunidades onde você pode conseguir ajudas e parceiros (locais ou on-line), não tem desculpa! Se quer mesmo, senta e faz :)"

Vitor Leães, produtor do estúdio Swordtales ("Toren")
"No mercado de games existem várias áreas diferentes, não existe perfil certo ou errado. Mas todo mundo precisa estar acostumado a trabalhar em equipe, disposto a jogar fora tudo que foi feito e recomeçar do zero se preciso. Também não esperem a "situação ideal" para começar a trabalhar, só se aprende a fazer jogos fazendo eles. Provavelmente será necessário um pouco de espírito empreendedor para conseguir tocar um projeto. E claro, uma ideia no papel não vale nada, tem que botar em prática e testá-la a exaustão"


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