Folha de S. Paulo


Opinião: Vídeo no Instagram significa a morte da fantasia

No fim de semana, fui a um piquenique numa cobertura no Brooklyn. A tarde não poderia ter sido mais pitoresca --um grupo de mulheres estilosas conversando, de bobeira, sobre cobertores, ao lado de uma lavanda, observando a paisagem urbana.

Peguei meu celular para registrar o momento. Abri o Instagram, que é do Facebook, e acionei a novo recurso da companhia, que permite gravar e publicar vídeos curtos, além das já usuais fotos. Tentei documentar a decoração e os lanches cuidadosamente alinhados, capturar a vivacidade do momento.

Mas o resultado que obtive foi um vídeo granulado com vestidos e cabelos esvoaçantes por causa do vento, a batida da música da festa do vizinho e fragmentos de uma conversa sobre controle de natalidade.

Na semana passada, Mark Zuckerberg, o executivo-chefe do Facebook, e Kevin Systrom, executivo-chefe do Instagram, apresentaram seu novo recurso de vídeo e o chamaram de "o futuro da memória", uma maneira de capturar os momentos e as experiências que você quer lembrar e compartilhar com os amigos.

Reprodução

Mas, mesmo sendo aquele vídeo tremido fiel ao momento, ele não era a versão da noite que eu queria recordar e mostrar para os meus amigos do Instagram.

Isso porque o Instagram não é sobre a realidade --é sobre uma fantasia bem construída, uma bobina com destaques da sua vida que exibe versões suas que você quer lembrar e colocar em exposição para outras pessoas admirarem.

É por isso que as fotos do serviço são pedaços belos e divertidos da vida, em vez de instantes tediosos entre esses momentos.

O Instagram é um anuário de nossos momentos mais memoráveis, não porque valem a pena ser lembrados, mas porque valem a pena ser projetados e compartilhados. E essa é parte da razão por que o serviço é o sucesso que é hoje, com 130 milhões de usuários que já publicaram mais de 6 bilhões de fotos em menos de três anos.

Já o vídeo --pelo menos o conteúdo amador que filmo-- é a antítese dessa fantasia. E, embora eu ache que estejamos nos sentindo mais confortáveis em ser nós mesmos on-line, ainda há uma diferença entre o "eu" que você deseja mostrar publicamente e o "eu" que você deseja exibir apenas para um pequeno grupo de pessoas que estão lhe assistindo.

Essa é uma distinção que o Facebook --e agora, por associação, o Instagram-- nunca pareceu entender.

A introdução do compartilhamento de vídeos no Instagram parece ser o mais recente indicador dessa desconexão. O vídeo é imperfeito. É muito mais difícil fazer um vídeo perfeito do seu piquenique, das ondas quebrando na praia, do que uma foto.

O vídeo demanda muito mais raciocínio para tornar espetacular o cotidiano, não importam a dúzia de filtros, a edição ou o software do Instagram que suaviza o conteúdo gravado.

Isso não quer dizer que as pessoas não queiram compartilhar o mundano entre elas.

A ascensão de serviços de mensagem como o Snapchat e o WhatsApp, que oferecem maneiras mais pessoais e privadas de enviar atualizações aos outros --longe dos olhos bisbilhoteiros e curiosos de toda a rede social--, indica que somos ávidos por uma comunicação mais íntima e honesta com as pessoas das quais somos mais próximas.

Mas essas interações não vivem no Facebook nem no Instagram. Elas são uma faceta daquelas redes sociais que todos, com exceção das duas empresas, parecem entender.

Claro, nada disso significa que o vídeo no Instagram não será um sucesso. A adoção foi rápida: nas primeiras 24 horas depois do lançamento, o Instagram contabilizou 5 milhões de vídeos publicados. E a popularidade do Vine, ferramenta de vídeo do Twitter, é prova de que as pessoas adoram gravar filmes curtos e excêntricos sobre suas vidas.

E, ainda que eu ache que há alguma coisa interessante acontecendo entre memórias, gadgets e redes sociais, ela pode não ser algo que deva acontecer em público, aberto para a interação de amigos, familiares e colegas de trabalho.


Endereço da página:

Links no texto: