Folha de S. Paulo


Apesar de problemas, game "The Last of Us" marca por excelente narrativa

"The Last of Us" é feito de duas substâncias muito distintas: o enredo, que avança por meio de CGs (cenas de computação gráfica), e o gameplay, que reúne os momentos de controle dos protagonistas pelo jogador.

No exclusivo da Sony para PlayStation 3, os dois eixos não são consonantes e pequenas falhas na jogabilidade atrapalham a imersão no mundo pós-apocalíptico do título, construído com tanta minúcia e credulidade pela Naughty Dog (da franquia "Uncharted").

O jogo se passa nos Estados Unidos, em 2033, país sob controle do exército e devastado após a contaminação de grande parte da população por uma doença causada pelo fungo Cordyceps, que infecta o cérebro e deixa as pessoas parecidas com zumbis --agressivas, monstruosas e sem consciência.

Joel, o protagonista do game, tem a missão de escoltar a jovem Ellie até o QG do grupo de resistência conhecido como Vagalumes. Além dos infectados, a dupla tem que enfrentar gangues de bandidos e lutar por suprimentos contra outros sobreviventes.

Os personagens são muito bem construídos --a adolescente Ellie é especialmente crível, com atitudes e falas esperadas de uma menina de 14 anos.

A relação entre ela e Joel é o coração do jogo. Enquanto lutam para continuar a viagem e não morrer no caminho, a conexão entre os dois fica mais complexa e profunda.

COMBATE E EXPLORAÇÃO

O combate em "The Last of Us" é estratégico. Se Joel sair apertando o gatilho de peito aberto em qualquer um que ver pela frente, das duas uma: ou a munição, quase sempre escassa, vai acabar; ou dezenas de inimigos vão ser alertados e rapidamente encontrar a origem do barulho.

Mesmo assim, com alguns cuidados (como estocar kits médicos e achar locais com cobertura sólida), é possível optar pelo confronto direto. As armas demoram para recarregar e a saúde não se regenera como em jogos de tiro atuais, o que deixa o combate mais sofrido --afinal Joel e Ellie são sobreviventes e não exterminadores.

O jogo te dá a liberdade de escolha: dá para apunhalar os inimigos silenciosamente pelas costas ou mesmo, em algumas situações, evitar completamente os inimigos. Há também diferentes tipos de dificuldade a escolher: o modo de sobrevivência, por exemplo, lima o "modo de escuta", no qual Joel pode localizar os inimigos através de paredes e portas concentrando-se nos sonhos emitidos pelos inimigos, como numa espécie de radar.

Existem alguns problemas na mecânica, principalmente quando os personagens topam com os chamados Estaladores (humanos infectados que têm cabeça e olhos cobertos por fungos), que se localizam por estalos feitos com a boca e têm a audição bem aguçada e matam com um só golpe. Na maior parte das vezes, os Estaladores ignoram os barulhos que Ellie faz.

Um passo em falso de Joel pode chamar a atenção de um dos infectados, mas Ellie pode correr (e até esbarrar em um deles), sem que seja notada. A pequena também tagarela à vontade, sem que isso chame a atenção --o que prejudica o clima de tensão presente em todo o jogo.

Já os inimigos não-infectados são pouco inteligentes: Joel pode enforcar uma pessoa até a morte poucos passos atrás de outro sobrevivente e permanecer despercebido, o que é meio frustrante.

Há também alguns quebra-cabeças a serem resolvidos, mas que tornam-se muito repetitivos no decorrer do jogo --em todos os eles, há apenas um único caminho: o jogador tem que revirar o cenário para encontrar um objeto interativo que resolve a questão. Pelo menos os passeios pelo ambiente são recompensados pela vista do mundo muito bem desenhado de "Last of Us"; escombros da civilização lentamente sendo dominados por plantas, animais e, claro, fungos.

O game também estimula a exploração em busca de suprimentos, como bandagens, itens que podem ser usados em melhorias de armas, munição, produtos para fabricação coquetéis molotov e bombas caseiras.

ÁUDIO E TRADUÇÃO

Como é de praxe em várias dos games legendados para o português, alguns termos do texto não correspondem ao que foi dito pelos personagens. "Keep your head down" (mantenha sua cabeça baixa) virou "fique aqui" e "let me go" foi traduzido como "me solta" --típica falha de tradução literal, fora do contexto do jogo, em que a frase mais correta seria "deixe-me ir".

O áudio em português tem dubladores de altíssima qualidade, porém, as vozes são muito baixas. Mesmo fazendo diferentes configurações de volume nas opções do jogo a questão não foi resolvida. Em fóruns na internet há relatos de jogadores que não conseguiram jogar com a dublagem em português por causa do baixo volume das vozes.

O problema é agravado pela tentativa da Naughty Dog de tornar os diálogos mais realistas: o som só é 100% claro se você estiver olhando diretamente para o personagem que está falando. Se o jogador estiver em um outro cômodo ou de costas, o som sai mais abafado ainda.

Apesar dos problemas, "The Last of Us" merece e deve ser jogado. Ele é a resposta definitiva para quem (ainda) duvida que os games podem alcançar qualquer outro tipo de mídia em termos de narrativa e sublimidade de história.

Mas os problemas de jogabilidade, que impedem que o clima de tensão da narrativa seja transposto para o game em si, tornam "The Last of Us" "apenas" um jogo ótimo --o que é muito pouco, para o título que tinha o potencial (e a pretensão) de ser um dos melhores de todos os tempos.

"THE LAST OF US"

DESENVOLVEDOR Nauthy Dog
PLATAFORMAS PlayStation 3
PREÇO R$ 149
AVALIAÇÃO Ótimo


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