Folha de S. Paulo


Marcelo Tas: O "da poltrona" acordou para nos dizer o que espera da telinha

Quem me despertou para a existência da segunda tela na TV foi uma insônia. Nos últimos anos, toda segunda, chego em casa tarde depois do transmissão ao vivo do "CQC". Com a cabeça agitada, o sono demora para chegar.

Numa dessas noites, ainda na primeira temporada do programa, no ano de 2008, percebi que usando palavras-chave recuperava no Twitter o que os telespectadores comentaram, não depois, mas durante o programa.

Nunca, em três décadas de trabalho na TV, eu tive acesso ao que o telespectador falava enquanto eu entrava na casa dele. Foi um susto! A resposta era tão direta e sincera que, às vezes, beirava a crueldade!

Com disciplina de monge tibetano, passei a me dedicar à tarefa de entender o que o meu "cliente", o telespectador, tentava me falar. Há muito ruído e bobagens, claro. Mas essa interação mudou minha forma de trabalhar. A coleção de palavras para definir minha atuação é tão abundante quanto aparentemente incoerente. Vai de "mestre" a "babaca", de "feio e nojento" a "lindo e gostoso" e certezas contraditórias como "desconfiança absoluta" e "credibilidade total".

Foi ainda a segunda tela que me revelou o hábito das pessoas de assistir ao "CQC" em grupo, como antigamente. Um dia, sem querer (querendo?), anunciei: "'CQC', o programa da família brasileira". A frase virou slogan.

Em pouco tempo, aprendi mais sobre o meu trabalho, sobre a natureza humana e sobre mim mesmo do que em todas as décadas anteriores, enquanto o "da poltrona" ficava calado. Foi o comediante Renato Aragão que criou esse bordão. Minha certeza é que o "da poltrona" mexeu o traseiro e cansou da passividade em que estava hibernando.

Talvez por sua natureza "broadcast" --mais preocupada com falar que ouvir--, a televisão tem reagido com hesitação e um certo preconceito a essa gigantesca revolução. Com a segunda tela se tornando um novo negócio --mesmo que frugal demais para o apetite de glutão do mercado-- surge uma oportunidade preciosa para a velha senhora, a TV, se reinventar.

Uma coisa é certa: este é apenas o início de uma mudança. O telespectador passivo do passado, que engolia tudo calado, está em processo de extinção. Se a TV não acordar, vai junto com ele.

MARCELO TAS é âncora do programa "CQC- Custe o Que Custar", na Band


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