Folha de S. Paulo


Depoimento: Criar um caderno de informática foi desafio editorial e comercial

O telefone tocou cedo em casa no primeiro dia útil de 1983. Era Caio Túlio Costa, que se apresentou como secretário de Redação da Folha e disse que o jornal pensava em criar um caderno sobre informática e que gostaria de conversar comigo.

Meu nome aparecera em um jantar na casa de Claudio Abramo, quando o assunto veio à tona em uma conversa informal --eu havia trabalhado durante um ano e meio na revista "Dados & Ideias", da "Gazeta Mercantil", até então o único veículo no Brasil a tratar da nova realidade da computação pessoal.

Daniel Almeida

O mercado existia, mas nenhum outro jornal diário cogitara criar um caderno dedicado ao tema. Era um grande desafio editorial e comercial.

Não havia jornalistas treinados para a tarefa, e eu tive três meses para encontrar as pessoas, passar a elas as informações que eu tinha e criar pautas que sustentassem uma edição semanal sempre com um mínimo de seis páginas. Ainda, o departamento comercial, da mesma forma, não tinha a mais vaga ideia do que iria enfrentar.

Uma das riquezas de minha função eram as reuniões semanais de "briefing", quando eu contava aos funcionários da equipe do então diretor da área e hoje presidente do Grupo Folha, Luiz Frias (um visionário), quais eram os movimentos, em quais portas deveriam bater, a quem procurar e por quê.

Esta última tarefa não era fácil, dado o fato de que os lançamentos de produtos, ou serviços, eram escassos, num território ao qual o capital ainda não havia se apresentado para bancar uma dinâmica de mercado que viabilizasse o setor. Uma política de proteção para fabricantes nacionais, imposta pelo regime militar, não contribuía para o seu desenvolvimento.

Não existia, de início,nem uma equipe -eu tinha um subeditor e uma verba para colaboradores até que as coisas deslanchassem. Com a importância do jornal, e a atração da novidade, apareceram muitos candidatos. Alguns deles hoje ocupam cargos importantes na imprensa, no mundo da comunicação corporativa e como empreendedores -em parte, talvez, por terem sido treinados a tirar leite de pedra.

Surgiram também estudiosos, técnicos, acadêmicos, em uma rede que se mostrou vital para o esforço. A equipe, pelo menos durante o tempo que permaneci como editor do caderno, nunca passou de meia dúzia de pessoas, eu incluído, para edições que tinham até 16 páginas.

Sobrava muito espaço para o improviso. Como era impossível preencher o espaço necessário com o que o pífio mercado trazia, optei por elaborar um caderno que foi de início algo que podia qualificar como uma publicação sobre "vida moderna".

Tratava-se de tudo que pudesse ser relevante, inclusive de fotografia, tema da última página. Eu lia todas as revistas e jornais, principalmente americanos e ingleses, que conseguia achar nas bancas, tanto os especializados quanto os de economia, que pudessem sugerir pautas ou mesmo contivessem reportagens passíveis de serem "cozinhadas".

O fechamento dessa colcha de retalhos era tumultuado, mas muito, muito divertido. O caderno, como se sabe, logo se transformou em um enorme sucesso. E eu tive o privilégio de ser seu criador e estar à frente de profissionais entusiasmados.

JOSÉ EDUARDO MENDONÇA, 62, criou a revista "Bizz" e foi editor da "Gazeta Mercantil" e do "Jornal da Tarde"; hoje, com 42 anos de carreira, escreve no blog "Planeta Urgente", da Editora Abril


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