Folha de S. Paulo


Roupa Íntima: Na moda vale tudo, só não vale ser normal

Desconheço alguém que curta ser chamado de "fashion" hoje em dia. Há uns dez anos, ser "fashion" era tudo. Queria dizer moderno, antenado, descolado, bem-vestido. Expressões que também caíram em desuso. Ser "fashion" ficou fora de hora. Passou a carregar em si o peso do deslumbre, do novidadeiro, do descartável. Não tem mais nada a ver com gente cool. E isso, sim, é legal agora.

Pra mim, que amo e vivo a moda, não podia ser pior. Ser "fashion" me ajudava. Com 20 anos de jornalismo, me apoiei uns bons cinco anos nesse conceito. Quando não sabia o que dizer sobre algo de que gostava, era "fashion". Quando queria dizer que você era legal, "fashion". Quando desejava algo, "que fashion, quero já"!

Intervenção sobre fotos de divulgação

A moda hoje está mais para o culto ao corpo, com o reinado da calça legging e do top cropped, já traduzido para "cropado" (ou curtinho). Os números não me deixam mentir. O prêt-à-porter cresce em média 1% ao ano, enquanto o segmento "fitness" chega a quase 10%. Cuidando tanto das próprias pernas, quem vai comprar roupas elaboradas que escondem o resultado do sacrifício diário na academia?

Em 2015, é certo, parte dos consumidores vai querer revelar ainda mais o corpo. Daí as transparências nas passarelas. São os sem-forro, que chegaram para complementar a era do "sem". Sem glúten. Sem lactose. Sem carne. Sem açúcar. Sem graça. Sem estilo.

A moda é tão legal, tão aberta e tão segura que não teve medo de negar a si mesma. E acabou dando aos desencanados, aos normaizinhos, aos tais sem estilo, o status de "fashion". Mas não sem uma repaginada, pelo menos na nomenclatura. Eles agora são conhecidos como os "normcore". "Norm" vem de normais, e "core" quer dizer "núcleo", como sufixo significando algo como "até as últimas consequências". Como em "hardcore".

Eu odeio essa onda. "Normcore" são as pessoas que andam na rua e em que a gente não presta atenção. Nada contra as pessoas, que, afinal, não sei nem quem são. Mas elas estão negando a moda. É como se o cinema resolvesse fazer um longa para quem odeia ver filme. Ou como um show de rock para quem não suporta barulho.

O problema é que "normcore" é também a Gisele Bündchen. Alguém já viu a maior modelo de todos os tempos, a que tem o corpo, o rosto, o marido, o salário e a vida mais invejados do mundo, usando, fora do tapete vermelho ou das passarelas, outro look que não seja jeans e camiseta?

Em um dos dias da última São Paulo Fashion Week, na sala de imprensa, eu vesti camisa vermelha xadrez grandalhona e fechada até o pescoço com uma saia lápis abaixo do joelho e um sapato masculino. Passa um colega e solta: "Hummm, normcore". Afe. Eu? Eu, não, por favor! Tudo, até desleixada, menos normal.

Comecei no jornalismo político e sei que são as ditaduras que pregam a igualdade e a padronização. Prefiro a democracia da moda, que valoriza o diferente em primeiro lugar. Já já o "fashion" volta. Vai por mim, eu sinto a moda. Pode não ser no ano que vem, mas, daqui a pouquinho, está aí de novo. E todos seremos fashionistas e felizes. Enquanto dure.

A jornalista Alexandra Farah é colunista da Band News TV, do jornal "Metro" e da "Vogue"


Endereço da página: