Folha de S. Paulo


Ex-modelo faz e vende bikes de até R$ 40 mil para gente como Ralph Lauren

Quando tinha nove anos, Helio Ascari, 37, encontrou no porão de casa uma Caloi abandonada. A bicicleta, porém, não era bem do jeito que ele queria. Resolveu então procurar o seu Poleto, dono da borracharia da cidade onde morava, a pequena São Marcos (RS).

Pediu ajuda para fazer algumas modificações na magrela. Desmontou todo o quadro e, só seis meses depois, conseguiu colocá-la para rodar novamente. "Eu queria uma bicicleta branca perolada, mas aquilo não existia na época. Criei até o tom da tinta que usei." Na primeira voltinha pelas ruas da cidade, recebeu uma proposta de compra e não resistiu.

Eudes de Santana
Helio Ascari faz bikes de R$ 40 mil
Helio Ascari faz bikes de R$ 40 mil

Da primeira montagem até hoje, pouco mudou. As Ascari Bicycles, que ele produz em Portland (Oregon) e no Brooklyn (Nova York), levam de quatro meses a um ano para serem finalizadas.
O processo é totalmente artesanal. Ele constrói desde os freios trabalhados às bombas de encher o pneu e usa parafusos de relojoaria no acabamento.

O guidão é enrolado com tiras de couro ou de vime. Montadas em sua garagem, custam de R$ 23 mil a R$ 70 mil.

No Brasil, ele vende três modelos que custam, em média, R$ 40 mil na loja de decoração Micasa, em São Paulo.

Inspirado em relógios de bolso, grandes veleiros, pontes antigas e instrumentos musicais, Helio produziu 37 peças até hoje. A mulher dele, Maria Thereza Polis Miri, 42, diz que o processo é intenso: "Quando ele coloca um blues ou música clássica para tocar na garagem, já sei que está em transe. Fica lá por 16 horas seguidas, nem tento mais interromper".

"Saio todo queimado da manipulação do ferro. Vira e mexe, corto os dedos, quebro as unhas", diz ele, que hoje é sócio do americano Gary Mathis.

Entre os compradores mais ilustres está o estilista Ralph Lauren, um de seus primeiros clientes. "Uma pessoa da equipe dele viu uma bicicleta que eu havia feito pra mim e disse que o Ralph ia adorar."

Quase um ano depois, Helio marcou um encontro com Ralph para lhe entregar a bike em Portland. O brasileiro estava tão exausto que dormiu no aeroporto e não embarcou no voo. "Achei que tinha perdido a chance da minha vida."

Ficou envergonhado, mas conseguiu remarcar. "Quando Ralph viu a bicicleta, ajoelhou para conferir os detalhes [a peça tem um rubi incrustado nos freios] e, emocionado, disse que o meu trabalho o fazia lembrar o início de sua carreira."

BIKE EMPAREDADA

Antes de produzir para Ralph Lauren e descobrir que as bicicletas seriam mais que um passatempo, Helio trabalhou em áreas bem distintas. Aos dez anos, vendia cachaça para caminhoneiros na estrada. "Minha primeira poupança da vida foi com dinheiro que ganhei dos motoristas", orgulha-se.

Aos 11, batia cartão -das 6h30 às 17h30- em uma empresa de camas de ferro. Trabalhou em banco, em uma fábrica de móveis de madeira e deu aulas de ginástica em uma academia que construiu com as próprias mãos na garagem. "Não tinha academia na cidade, então as pessoas pediam para usar a minha."

O pai, caminhoneiro, caiu na estrada aos 16 anos. Era um homem viajado, tinha um gosto apurado e sabia reconhecer as coisas sofisticadas. Fazia coleção de botas. Desenhava e mandava para o ourives as fivelas dos cintos que usava. "Já viu um caminhoneiro que ouvia Elvis e John Lee Hooker?", pergunta.

Quando o pai morreu, Helio resolveu se mudar para o Rio de Janeiro. Por lá, no primeiro dia de trabalho como vendedor na loja de roupas Richards, recebeu o convite para ser modelo.
"Meu cachê era igual a um salário do mês todo nas fábricas do Sul. Deu para comprar um micro-ondas." Modelou por 13 anos, durante os quais morou nos EUA, na Alemanha, na Holanda e na Itália. Fotografou campanhas com Gisele Bündchen, foi clicado por Mario Testino e foi o rosto de marcas como Prada e Ermenegildo Zegna. Não gostava, mas agradece a oportunidade.

"Como a vida de modelo tinha muito tempo de folga, eu voltei a montar bicicletas. A experiência dentro dessas grandes grifes apurou meu olhar. Da fábrica na qual costurei sapatos no Sul até o que vi na Prada, está tudo nas minhas bicicletas."

Mas elas nem sempre veem a rua. "Adoraria que meus clientes circulassem com as bicicletas que produzo, mas muitos deles, como Ralph, ainda as deixam penduradas na parede."


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