Folha de S. Paulo


Redes populares usam tecnologia para cortar gastos e cobrar pouco

Keiny Andrade/Folhapress
SAO PAULO - 18.11.2017 - ESPECIAL SAUDE - Retrato do médico Marcelo Zacarkim, com pós-graduação em Harvard, ao voltar para o Brasil quis trabalhar na Rede Dr. Consulta. Foto: KEINY ANDRADE/FOLHAPRESS
O médico Marcelo Zacarkim, 31, em unidade da rede Dr. Consulta, em São Paulo

As clínicas populares surgiram como uma alternativa para quem não tem plano de saúde -cerca de 75% da população brasileira- nem quer depender do SUS. O atendimento rápido e os preços acessíveis fizeram a fama desse mercado que só cresce.

Não há dados oficiais sobre esse modelo de negócio, mas as empresas estão otimistas. "Nunca tivemos tanta oportunidade para start-ups na área de saúde", diz Renato Velloso, vice-presidente de desenvolvimento de mercado do Dr. Consulta, uma das pioneiras nesse tipo de atendimento no Brasil.

A rede tem 45 unidades em operação (19 inauguradas em 2017), espalhadas na Grande São Paulo e na Baixada Santista. A empresa contabiliza 150 mil atendimentos por mês, entre consultas e exames de 56 especialidades. Recentemente, recebeu de investidores aportes de R$ 300 milhões e prevê expansão para 2018, mas não fala em faturamento, número e local das novas unidades.

As consultas custam de R$ 110 a R$ 150. Segundo Velloso, a fórmula que reúne preços baixos e lucro passa pela tecnologia. A empresa conta com aplicativos para marcar atendimentos de forma rápida, abrir novas agendas e monitorar qual unidade precisa de uma nova especialidade, por exemplo. "Temos um algoritmo para entender quantos médicos precisam estar em cada local", afirma.

É o mesmo discurso da Globalmed, que abriu a primeira unidade em 2015 e fecha o ano com faturamento de R$ 9 milhões. Das dez unidades, sete foram inauguradas em 2017 -além de São Paulo, há clínicas em Ribeirão Preto e Piracicaba (interior de São Paulo) e em Vitória (ES). Para o ano que vem, a previsão é dobrar o número de unidades e ir para Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná.

"Usamos tecnologias para reduzir custos. O médico consegue ver a agenda no smartphone, e os prontuários médicos são digitais, por exemplo", explica Bruno Carvalho, CEO e fundador da empresa.

Ao apresentar a MinutoMed, inaugurada em 2014, o sócio Vitor Asseituno já menciona os recursos que são utilizados nas cinco clínicas instaladas em shoppings da Grande São Paulo.

"Usamos telemedicina para algumas especialidades e temos um prontuário eletrônico único", conta. A empresa atende 2.000 pacientes por mês. A consulta com um médico generalista custa R$ 89.

'SERVIÇO LIMITADO'
A longevidade dessas clínicas populares depende da qualidade dos serviços oferecidos, opina Alessandro Acayaba de Toledo, presidente da Anab (Associação Nacional das Administradoras de Benefícios).

"Há uma limitação. Você não consegue exames mais complexos nem cirurgias. Se precisar de uma investigação mais profunda, o serviço ficará pela metade, e o paciente terá de voltar ao SUS ou a um plano de saúde."

Além de otimizar custos e monitorar clientes, ter bons médicos é fundamental. Para atrair profissionais, as clínicas populares pagam de 40% a 50% do valor da consulta mais bônus ou incentivos de desempenho.

Quando retornou de um mestrado na Universidade Harvard, nos EUA, o clínico Marcelo Zacarkim, 31, resolveu ser "paciente oculto" em diversas clínicas para ver como era o atendimento e decidir onde queria trabalhar. Escolheu a Dr. Consulta, sobre a qual já tinha ouvido falar durante o curso no exterior.

Zacarkim administra o trabalho na clínica popular com um doutorado na USP e o atendimento em um hospital. "Faço minha agenda e não tenho que me preocupar com gestão, algo difícil para o médico. Tenho uma boa equipe de triagem e de enfermagem, além de ter uma atuação social, algo que sempre quis."

Segundo dados da ANS, os planos de saúde no Brasil pagam em média R$ 30 por consulta. No Estado de São Paulo, a média é um pouco maior: em torno de R$ 50, segundo médicos. O valor é próximo ao da remuneração das clínicas populares -sem encargos nem burocracias de um consultório particular.

Para José Luiz Bonamigo Filho, diretor da Associação Médica Brasileira, a dificuldade de gestão somada à competitividade do mercado facilita a contratação de bons médicos por essas clínicas.

"Formam-se no Brasil cerca de 30 mil médicos por ano, que têm como opção abrir o próprio consultório e esperar cerca de três anos para encher de pacientes particulares ou atender por convênio médico e passar por toda a burocracia e esperar até três meses para receber valores baixos", afirma.

Trabalhar no SUS também não é muito vantajoso do ponto de vista da remuneração. Atualmente, o sistema não paga o médico por procedimento, e sim por salário mensal ou por hora de trabalho. Em São Paulo a hora vale em média de R$ 100 a R$ 120, em que podem ser atendidos vários pacientes, dependendo da unidade.

Algumas empresas também oferecem planos de carreira aos médicos, como a Globalmed. A consulta varia de R$ 90 a R$ 140 e de 40% a 50% do valor é repassada ao médico, que também pode ganhar bônus de acordo com avaliação de pacientes e funcionários e se tornar sócio.


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