Folha de S. Paulo


Taxa sobre lixo eletrônico opõe indústria e governo

Rodrigo Dionísio - 18.fev.2014/Folhapress
*EXCLUSIVO REVISTA SAOPAULO* São Paulo, SP - 18/02/2014 - Centro de Descarte e Reuso de Residuos de Informática (CEDIR), parte do Centro de Computação da Universidade de São Paulo (USP). O local foi criado para implementar práticas de reuso e descarte sustentável de lixo eletrônico, incluindo bens de informática e telecomunicações que ficam obsoletos. Foto: Rodrigo Dionisio/Frame/Folhapress - lixo, capa, sãopaulo, reciclável
Centro de descarte de resíduos eletrônicos no Centro Centro de Computação da USP

A falta de consenso na cobrança de uma taxa paga pelo consumidor para reciclar geladeiras, celulares e outros eletroeletrônicos é um dos pontos que emperram um acordo entre indústria e governo para tirar do papel a lei da logística reversa.

Fabricantes defendem a cobrança da taxa já na compra do produto, com valor destacado na nota fiscal e isenção de imposto sobre ele.

A taxa deve variar de acordo com o porte do aparelho, de R$ 1 a R$ 14, segundo a indústria. Apesar de contar com apoio do Ministério do Meio Ambiente, a proposta encontra forte resistência no Ministério da Fazenda, na Receita Federal e na Casa Civil.

Parte do governo defende que a taxa, já cobrada em países da Europa, seja embutida no preço dos produtos. E afirma que, para isentá-la de imposto, seriam necessárias mudanças fiscais e tributárias tão complexas que inviabilizariam a cobrança.

Assim, o peso no bolso do consumidor dobraria: a taxa ficaria entre R$ 2 e R$ 28.

"Além de ser desonesto embutir a taxa no preço, perderíamos a chance de educar o consumidor, mostrando que ele também tem responsabilidade na reciclagem", diz João Carlo Redondo, diretor de sustentabilidade da Abinee (que reúne a indústria de eletroeletrônicos).

O executivo destaca que a logística reversa no Brasil prevê responsabilidade compartilhada em todas as etapas da cadeia -de quem fabrica até quem consome. Para Redondo, ao saber que já pagou pelo descarte, o consumidor teria estímulo para levar o produto antigo a um ponto oficial de recebimento.

As empresas de eletrodomésticos têm avaliação semelhante. "Temos responsabilidade, com outros parceiros, para colocar em prática a economia circular", diz Luiz Machado, gestor de sustentabilidade da Eletros (fabricantes de eletrodomésticos). "É preciso ser claro com o consumidor para que ele tenha noção do que está pagando."

"Ninguém quer onerar o consumidor", diz Zilda Veloso, diretora do departamento de gestão de resíduos do Ministério do Meio Ambiente, que aguarda posição dos demais ministérios para continuar as discussões. "A lei determina a logística reversa, mas não se pode comprometer a indústria nacional."

NO BOLSO

Entre os diferentes segmentos da indústria que participam das discussões (celulares, computadores, geladeiras, televisores, portáteis), porém, há divergência sobre a cobrança ao consumidor.

Alguns fabricantes até já fazem a retirada de itens sem ônus para o cliente, em iniciativas anteriores à criação do Plano Nacional de Resíduos Sólidos (2010), seguindo atuação de matrizes no exterior.

Levar o custo de uma ponta a outra da cadeia é o que mais pesa para estimular o avanço da reciclagem no país. Na linha verde (celulares, computadores, notebooks), por exemplo, estima-se que o processo custe aos fabricantes R$ 90 milhões por ano.

"Para reciclar um refrigerador, o custo seria de R$ 80 a R$ 100. No Japão, são US$ 35", diz Machado, da Eletros, sobre o modelo em que o produto é coletado e levado à recicladora. Como o setor defende a proposta europeia (produtos novos custeiam coleta e reciclagem dos antigos), o custo médio seria de R$ 14. "Isso se houver isenção de imposto. Caso contrário, pode chegar ao dobro."

DESCARTE

Só 2% do lixo eletrônico é reciclado no país, segundo estimativa do setor.

Um estudo do Programa para o Meio Ambiente da ONU, de 2014, colocou o Brasil como campeão na geração de resíduos eletrônicos na América Latina: 1,4 milhão de toneladas descartadas, com alta de 6% ao ano, acima da média mundial (5%).

Para o governo, que contestou a metodologia do levantamento da ONU, os números estão mais próximos aos de estudo da ABDI (agência de desenvolvimento industrial), que projetou em 1,1 milhão de toneladas o lixo eletrônico gerado em 2014.

Fabricantes, varejistas e recicladoras tentam resolver ainda outras questões que dificultam a logística reversa.

Por meio do Confaz (conselho que reúne secretarias estaduais da Fazenda), o setor quer convênios com os Estados para que o transporte de resíduos seja desonerado de ICMS. "Esses produtos já foram tributados quando tinham vida útil. Não faz sentido pagar imposto de novo", diz Paloma Cavalcanti, gerente de sustentabilidade da HP. São Paulo deve ser o primeiro a assinar uma portaria atendendo à reivindicação.

Outro pedido do setor, em caráter nacional, foi recentemente atendido pela Cetesb e secretaria de Meio Ambiente: a definição da não periculosidade dos resíduos eletroeletrônicos.

Os fabricantes também querem isonomia de obrigações entre indústria e importadores no processo da reciclagem. "O mercado legal terá que tratar resíduos de um mercado que não gera empregos ou divisas para o país?", questiona Redondo. Ele cita o exemplo das pilhas: 17 fabricantes formais custeiam a reciclagem de 150 marcas (a maioria contrabandeada).

Nas perspectivas mais otimistas, tanto do setor público como do privado, o acordo nacional não deve sair antes de junho de 2018.


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