Folha de S. Paulo


Debatedores divergem sobre a criação de uma taxa para coleta de lixo

Debatedores divergem sobre a criação de uma taxa para coleta de lixo

Ao fazer um balanço dos sete anos da PNRS, a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que desde 2010 serve de marco legal para o setor, os debatedores discordaram de forma veemente quanto a um ponto: a cobrança de uma taxa do lixo.

"Eu sei que ninguém gosta e nenhum político quer ouvir, mas se nós pagamos conta de luz, de água, de celular, de internet, por que não pagamos a conta por um serviço adequado de limpeza pública?", perguntou Gabriela Otero, coordenadora técnica da Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais).

Paulo Pinto/CBJ
A mesa discutiu os sete anos da Política Nacional de Resíduos Sólidos
A mesa discutiu os sete anos da Política Nacional de Resíduos Sólidos

No Brasil, a coleta de lixo é uma obrigação do município, que geralmente banca seu custo a partir da cobrança de outros impostos, como o IPTU. O problema, disse Gabriela, é que a arrecadação cai todo ano, o que levaria à redução da alíquota da limpeza pública.

Para dar conta das mudanças propostas pela PNRS, seria fundamental gerar um financiamento específico _ou seja, pensar numa taxa de lixo.
A solução foi contestada por Victor Bicca, presidente do Cempre (Compromisso Empresarial para a Reciclagem). "O brasileiro não aguenta mais pagar imposto", afirmou, citando recente pesquisa do Ibope/CNI.

Nesse cenário, a criação de um novo imposto seria muito complicada, disse ele. "A gente sabe que existe um espaço para que essa gestão melhore e sobre dinheiro para serviços essenciais que, segundo a Constituição, são competência do município."

Bicca citou o exemplo da CPMF, taxa criada para arrecadar recursos para a saúde, mas que não teria chegado ao setor e acabou cancelada. "Tenho receio da cobrança de uma taxa municipal de resíduos, que, talvez por falta de gestão, não chegue lá aonde se deveria chegar."

A COBRANÇA

Caso fosse implantada nas cidades brasileiras, como se daria essa cobrança específica? Gabriela levantou duas possibilidades: a primeira seria cobrar pelo número de pessoas por imóvel, levantado em um censo que estaria a cargo dos municípios.

A segunda alternativa é cobrar do cidadão pelo lixo que ele de fato gera. A partir de um mapeamento das residências, por exemplo, calcula-se o tamanho máximo das lixeiras do edifício. Se gerado mais que o previsto, o cidadão paga mais. "Assim, a pessoa consome menos. Isso funciona em vários países civilizados."

Em São Paulo, a proposta de implantar uma taxa específica para a coleta, feita pela então prefeita Marta Suplicy, causou tanta polêmica que, para analistas políticos, teria custado a reeleição da petista. A própria Marta disse, durante a campanha passada à prefeitura, que foi um erro.

O PAPEL DO CATADOR

Um consenso, por outro lado, é a importância que o papel do catador ganhou com a PNRS. "A gente saiu do nível da invisibilidade", afirmou Anderson Nassif, membro da coordenação estadual do MNCR (Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis). "Prova disso é que eu estou aqui hoje."

Catador por 15 anos, hoje membro da diretoria de uma rede de cooperativas, Nassif destacou que, com o fechamento total dos lixos previstos na nova política para o setor, muitos catadores têm perdido empregos. Segundo ele, faltam políticas específicas para dar conta da mudança.

Outro ponto nevrálgico apontado é a baixa adesão de grandes empresas aos acordos setoriais previstos pela PNRS. Bicca, do Cempre, disse que falta ao governo tomar uma posição mais firme, como a desoneração da cadeia da reciclagem, o que poderia dar origem a novas demandas e ampliar o setor reciclador.

BALANÇO

Para o executivo, a PNRS é um marco legal que deu certo: não apenas trouxe o tema à tona, como é uma política bem adaptada às condições do Brasil. Ainda assim, há muito a fazer, por exemplo, em relação à falta de integração entre os diferentes atores, do consumidor ao catador, das empresas ao governo.

Se tal fluxo funciona bem na cadeia do alumínio (cerca de 98% das latinhas são recicladas no país), no setor de cartonados o sucesso é bem menor, e no caso dos materiais orgânicos, quase inexistente


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