Folha de S. Paulo


Ensino descentralizado e participação fazem a receita do Reino Unido

Autonomia é a chave para o funcionamento das escolas públicas no Reino Unido.

As "state-funded schools" (escolas públicas) são livres para contratar, demitir, oferecer conteúdos e atividades extracurriculares e, ainda, angariar fundos na iniciativa privada para fazer melhorias que considerarem necessárias.

Há também as "academy schools". São públicas, secundárias em sua maioria, não subordinadas à autoridade local e financiadas pelo Departamento de Educação (equivalente ao MEC) ou por "trusts", patrocinadores aprovados pelo Estado.

Essas têm ainda mais liberdade curricular –geralmente são colégios técnicos.

A escola secundária St. Andrew's, em Leatherhead, eleita a melhor do condado de Surrey e a terceira melhor da Inglaterra pelo Real Schools Guide 2017 (site que reúne informações sobre 34 mil colégios no Reino Unido), é exemplo da importância da gestão na vida escolar britânica. Mas não esteve sempre no topo.

"A autonomia foi essencial para a melhora que vivenciamos recentemente", diz o diretor, Alan Mitchell. Coube a ele dar um choque de gestão na instituição para buscar o equilíbrio de recursos humanos e financeiros. Funcionários tiveram que se adequar às exigências do dinâmico diretor de 45 anos –20 de administração escolar.

Segundo o Departamento de Educação, graças ao sistema que dá autonomia às escolas, "há hoje 1,8 milhão a mais de crianças estudando em boas ou excelentes escolas públicas do que em 2010".

MAIS COM MENOS

Nos últimos anos, a política de austeridade implementada pelos governos conservadores provocou cortes na verba de educação, afetando o orçamento das escolas.

"Com gestão apropriada, fazemos mais com menos. No nosso caso, 35% a menos", contabiliza Mitchell. "Se não posso pagar mais a um professor ou a um assistente que tenha melhor desempenho, posso investir na formação de ambos com outras parcerias."

O resultado se reflete no desempenho dos alunos. Na St. Andrew's são 1.175: "Sei o nome de quase todos", diz Mitchell. Em sua sala, há fotos daqueles cujos nomes ele tinha dificuldade de decorar.

"Passamos a receber 300 libras (R$ 1.200) por ano a menos por aluno. Mas isso não mudou nosso padrão."

Há sete anos, a St. Andrew's se aproximava do patamar crítico de desempenho, a ponto de o Ofsted (Office for Standards in Education, Children's Services and Skills, agência governamental que inspeciona e regula serviços educacionais no país) pedir medidas especiais.

"Estimulamos a participação e o compartilhamento de novas ideias e compensamos bons resultados", diz Alan Mitchell. Sua abordagem é empresarial com alta carga motivacional -há fotos de alunos que entram nas melhores universidades ao lado de palavras como "acredite" e "sucesso" pelas paredes.

"Temos alto grau de autonomia e ela aumenta ou diminui, dependendo da performance da escola, o que é ótimo quando as coisas vão bem e ruim quando vão mal, porque fica mais fácil apontar os responsáveis."

CONSELHO X DIREÇÃO

A direção responde pela performance e é supervisionada por um 'governing body', conselho multidisciplinar e voluntário com estrutura estabelecida pelo Departamento de Educação. Obrigatórios nas escolas públicas britânicas, os conselhos têm número de participantes proporcional ao tamanho do colégio e reúnem membros da comunidade, pais, funcionários, autoridades locais –o trabalho é voluntário, mas dá prestígio aos participantes. Seu papel é o mesmo que um conselho administrativo de uma empresa: assegurar boas práticas de governança, que serão fiscalizadas e ranqueadas pelo governo.

"O papel dos conselhos é estabelecer estratégia e visão para a escola, além de supervisionar a gestão e a performance, inclusive da diretoria, que pode integrar o conselho", diz Catherine Blackburn, diretora do conselho da St. Joseph's Catholic Primary School, em Dorking. "Essa relação entre conselho e direção pode ser delicada em alguns casos", afirma ela.

O diretor Alan Mitchell define o conselho como "aquele amigo que ajuda, mas também fala verdades se algo precisa ser melhorado".

Administradora de empresas parcialmente aposentada, Catherine Blackburn foi conselheira por 12 anos da St. Joseph's, onde o filho estudou. Em 2012, deixou o órgão, voltando recentemente para assumir sua direção.

"É minha função encontrar pessoas capacitadas com tempo disponível para assumir diferentes cargos no conselho e dar contribuição efetiva. Não é tarefa fácil, mas os 'governing bodies' são imprescindíveis na descentralização da gestão escolar", explica Blackburn.

A qualidade das escolas é aferida também por inspeções regulares do Ofsted, agendadas de acordo com suas posições no ranking: as consideradas boas são fiscalizadas com menos frequência e as consideradas em risco (abaixo dos padrões), com mais frequência.

EM BUSCA DE DINHEIRO

"Os conselhos também têm de arrecadar doações para complementar o orçamento", afirma Blackburn.

O percentual de gastos privados no sistema público educacional britânico, segundo o relatório Education at a Glance 2017, está entre os mais altos da Europa (29%) e se aproxima de outros países desenvolvidos –EUA (33%), Austrália (32%), Japão (28%) e Coreia do Sul (32%). Na América Latina, se destacam a Colômbia (32%) e o Chile (36%, o mais alto do ranking). O Brasil não informa esse dado no relatório.

Essa contribuição da sociedade, que se manifesta por meio do trabalho voluntário, da mobilização para angariar fundos e de doações de verbas a instituições do terceiro setor, está culturalmente introjetada na população britânica. É, na prática, a divisão de responsabilidades para o bem-estar comum e o funcionamento das instituições.

A jornalista viajou a Surrey por cortesia da Visit Britain


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