Folha de S. Paulo


Diretoras de escolas rejeitam papel de heroínas e querem formação técnica

O Brasil precisa desmistificar a imagem de que o diretor da escola pública precisa atuar como "herói", capaz de resolver sozinho problemas graves, como falta de infraestrutura e evasão.

"Não existe um herói na escola. Existe uma equipe a ser mobilizada por um gestor", afirmou Elba Alves da Silva, que dirigiu a escola estadual Tristão de Barros, em Currais Novos (RN), de 2012 a 2016. Hoje, Elba é diretora regional de Educação e Cultura do município de 45 mil habitantes.

Cinco diretoras que conseguiram melhorar substancialmente indicadores de desempenho de alunos em escolas públicas nos Estados de Espírito Santo, Rio Grande do Norte, Ceará, Goiás e Piauí debateram desafios no seminário.

Elba da Silva destacou a necessidade de formação técnica dos gestores. "Como não tem essa parte na formação do diretor, a gente precisa aprender na prática. Tem incêndio para apagar todos os dias na escola, e a gente se pergunta: onde foi que eu perdi essa aula de gestão escolar pública?"

Um dos instrumentos usados na escola de Currais Novos foi a avaliação institucional. Com os questionários respondidos por alunos e professores, constatou-se, por exemplo, que interpretação de texto era um dos problemas graves na aprendizagem. "Os alunos precisavam ler o enunciado de uma prova até três vezes para entender o que estava sendo pedido."

Claudete Silva do Nascimento Radaelli, assessora da Secretaria de Educação do Espírito Santo, concorda que a formação inicial do gestor precisa ser revista. "O diretor da rede pública foi formado para ser professor, e um bom professor não necessariamente se sairá bem dirigindo um colégio", disse.

Segundo as diretoras, o combate à evasão no ensino médio é um dos maiores desafios. Ireni Soares da Mota, diretora do colégio estadual Dona Genoveva Carneiro, em Itaguari (GO), usou a criatividade para contornar o problema no município de apenas 4.700 habitantes.

"Muitos estudantes diziam que iam à escola só para comer o lanche, o que era criticado. Mas se era um caminho, fomos por aí. Melhoramos a merenda e passamos a organizar churrasco toda sexta-feira", contou.

Francisca Rozimar Alves Belém Morais conseguiu zerar a evasão na escola estadual profissionalizante Irmã Ana Zélia da Fonseca, em Milagres (CE), graças à mobilização de diferentes órgãos públicos da cidade.

"Se um aluno passa alguns dias fora da escola, vamos atrás dele para entender os motivos. Se necessário, acionamos quem for preciso: Conselho Tutelar, Ministério Público, tudo para manter o jovem na escola", afirmou.

Verbena Roque Gonçalves, diretora do centro de ensino médio Moaci Madeira Campos, em Teresina (PI), disse que é preciso aprender a lidar com graves problemas psicológicos dos alunos. "Tem cada vez mais casos de jovens depressivos e até com mutilações", afirmou.

Apesar de rejeitarem a ideia da "diretora-heroína", os depoimentos das palestrantes deixaram evidente a importância do empenho individual. Elas chegam cedo à escola "para receber os alunos no portão", cuidam de torneira quebrada e furo no telhado "com a ajuda do marido", inventam estratégias para envolver a comunidade e para convencer cada aluno a pensar em um "projeto de vida", algo que os estimule a continuar estudando. "Na vida do diretor, nenhum dia é igual ao outro", resumiu Francisca, de Milagres.


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