Folha de S. Paulo


Escola deve considerar que não há um só modo de vida, dizem especialistas

Preconceito e intolerância na escola atrapalham o desenvolvimento acadêmico dos estudantes.

Para os participantes do 3º Seminário de Gestão Escolar, se a educação é para todos, ela deve estar atenta à diversidade social, cultural e sexual.

O evento, realizado nos dias 27 e 28 de setembro no CineArte do Conjunto Nacional, em São Paulo, é promovido pelo Instituto Unibanco, em parceria com a Folha e o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed).

Segundo o indígena Gersem Baniwa, professor da Universidade Federal do Amazonas, a diversidade se impõe como um dos maiores desafios para a educação brasileira.

"A experiência das escolas indígenas indica que não há um modo de educação, pois não há um [único] modo de vida no nosso país. A própria organização das escolas leva a uma tendência de homogeneização da vida como se isso fosse possível", afirmou Gersem.

As escolas indígenas já somam mais de 3.000 unidades no Brasil, segundo o Censo Escolar 2015, o último disponível. O mesmo levantamento mostrou que 46,5% dessas escolas não possuem material didático específico para o grupo étnico que nela estuda.

Gersem conta que no Amazonas, Estado que concentra mais de 30% dessas instituições no país, algumas dessas escolas têm alunos de até sete diferentes etnias com línguas próprias, o que traz a necessidade de valorizar os diferentes conhecimentos.

"É um desafio para a convivência social, mas também do ponto de vista pedagógico", disse.

ESCOLA SEM PARTIDO

"Hoje estamos enfrentando uma onda muito forte de judicialização e conservadorismo que quer impedir os professores de tratarem de temas como gênero e sexualidade", afirmou Macaé Evaristo, secretária de educação do Estado de Minas Gerais.

Para ela, movimentos como o Escola Sem Partido, que defende, entre outras coisas, a proibição das discussões sobre gênero na escola, pretende impedir que se falem das estruturas que causam as desigualdades no país.

"Isso não nos levará à construção de uma sociedade justa e nem fará reverter indicadores ruins de educação", defendeu.

De acordo com dados do Saeb de 2011 (Sistema de Avaliação da Educação Básica), 56% das escolas de ensino médio não tinham projetos sobre machismo e homofobia.

Os debatedores concordaram que não falar sobre esses temas contribui para reforçar a desigualdade. "Não falar desses assuntos também é uma forma de lidar com eles", afirmou Vanessa Leite, pesquisadora do Clam (Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos) e da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

"Questões de gênero e sexualidade estão presentes em todos os lugares, situações e atividades na escola, pois nossas ações estão articuladas com nosso gênero. É de fundamental importância que cada gestor possa se abrir para refletir sobre esses temas."

PRECONCEITOS

Uma pesquisa de 2009 realizada pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da USP) em 501 escolas de todo o país, encomendada pelo MEC, revelou que 40% dos diretores entrevistados viram ou souberam que um aluno foi humilhado por ser homossexual. Outros 29% relataram que o mesmo aconteceu com estudantes negros.

"A escola tende a refletir os preconceitos hegemônicos na sociedade e é um desafio construir uma agenda positiva para direitos humanos de todos os jovens. Diferenças devem ser respeitadas e não consideradas como critérios de exclusão", disse Leite.

Segundo Macaé Evaristo, há um racismo institucionalizado na sociedade brasileira que se manifesta de diferentes formas e tem impacto sobre as trajetórias de estudantes negros.

O racismo institucional, de acordo com ela, impõe à população negra os maiores índices de analfabetismo e evasão escolar e colabora para a construção de uma imagem que deprecia e desvaloriza o negro.

"A gente já parte do pressuposto de que essa criança não vai conseguir. O racismo nos ensinou assim e as práticas já estão naturalizadas", afirmou.

A representatividade de pessoas negras na literatura e nas posições de poder, bem como discutir o tema do racismo na escola, são formas de romper com atitudes discriminatórias e preconceituosas, diz a secretária de educação.

Ela contou que foi a uma reunião no Tribunal de Contas na última terça (26), acompanhada do motorista e de uma assessora, que é branca. "A pessoa que nos atendeu só falava com a minha assistente. Não podia imaginar que aquela mulher negra fosse uma secretária de Estado."


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