Folha de S. Paulo


Artista usa suas bitucas para expressar a força da compulsão

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Obra do artista plástico português João Leonardo, que transforma em matéria-prima as próprias bitucas de cigarro e outros elementos do universo de fumantes, como cinzas
Obra do artista plástico português João Leonardo, que transforma em matéria-prima as próprias bitucas de cigarro e outros elementos do universo de fumantes, como cinzas

Em geral tratado como lixo indesejável e persistente, o filtro de cigarro fumado tem status de matéria-prima para o português João Leonardo.

Fumante, o artista plástico guarda metodicamente os vestígios do tabaco que consome, além de incorporar os restos dos cigarros de amigos e parentes que o ajudam a acumular bitucas, chamadas de "beatas" em Portugal.

"Parte importante do meu trabalho é a expressão da compulsão e a forte, e frequentemente incontrolável, força que a puxa", conta.

"Dependência é tema recorrente na minha arte", completa ele, que diz não gostar de comentar seu vício.

A estética dos dejetos de cigarro é apresentada em quadros e esculturas. O trabalho é ora abstrato, ora figurativo.

Brancas, marrons, limpas ou sujas, as guimbas são dispostas de várias maneiras na obra do português, que usa ainda outros elementos do universo dos fumantes, como pedaços de folhas de tabaco, nicotina líquida, cinzas e até "snus" -tabaco mastigável proibido em toda a União Europeia, com exceção da Finlândia e da Suécia, país onde ele vive parte do ano.

"A mensagem da arte tem de ser ambígua, ou se torna moralista. E para isso já existem várias mensagens antitabagistas", diz o artista.

Portugal está entre os países da Europa com a menor quantidade de fumantes. De acordo com dados do Eurostat (Gabinete de Estatísticas da União Europeia), 20% dos portugueses fumam. Só Suécia, Reino Unido e Finlândia têm índices mais baixos.

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Obra do artista plástico português João Leonardo, que transforma em matéria-prima as próprias bitucas de cigarro e outros elementos do universo de fumantes, como cinzas
Obra do artista plástico português João Leonardo, que transforma em matéria-prima as próprias bitucas de cigarro e outros elementos do universo de fumantes, como cinzas

CONFRONTO

Nascido em 1974 em Odemira, no Alentejo, João Leonardo acumula prêmios e residências artísticas há quase duas décadas.

Seu nome projetou-se na Europa a partir de 2015, quando ele levou o prêmio EDP novos artistas.

Sua primeira incursão ao universo do tabaco foi na instalação "Calendar #1", de 2006, que reunia 3.600 maços de cigarro emoldurados.

"Comecei cedo a colecionar meus próprios maços de tabaco. Fiz uma escultura em que tinha quase 12 anos de maços colecionados. Era uma peça muito grande, gostei muito, porque faz nós sermos confrontados com nossos vícios. E o tabaco é tão aditivo quanto a heroína."


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