Folha de S. Paulo


Modelo federativo e falta de dados travam combate à exploração sexual

Keiny Andrade/Folhapress
SAO PAULO - SP - 18.05.2017 - Forum Folha - EXPLORACAO SEXUAL INFANTIL - MESA 1: AÇÕES DE ENFRENTAMENTO DA EXPLORAÇÃO PARTICIPANTES: Luciana Temer, presidente do Instituto Liberta; Eva Dengler, gerente de Programas e Relações Empresariais da Childhood Brasil; Flávio Debique, gerente da Plan International Brasil; Heloisa Oliveira, administradora-executiva da Fundação Abrinq; Claudia Vidigal, secretária nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente; Fabiana Gorenstein, oficial de Proteção do Unicef; Beatriz Azeredo, diretora de responsabilidade social da Rede Globo.
Claudia Vidigal, Eva Dengler, Fabiana Gorenstein, Flávio Debique, Luciana Temer, Heloísa Oliveira e Eliane Trindade

A legislação brasileira tem evoluído no que diz respeito ao combate à exploração sexual infantil, mas é preciso mais: a dificuldade na coleta de dados, a cultura dos órgãos públicos voltados à criança e ao adolescente e o próprio modelo federativo do país são obstáculos para a implementação de políticas públicas no setor.

Nesta quinta (18), na mesa que abriu o Fórum Exploração Sexual Infantil, organizado pela Folha em parceria com a ONG Instituto Liberta e a incorporadora Cyrela, especialistas discutiram a efetividade e as estratégias para direcionar as ações de enfrentamento para erradicar o problema.

A Lei 13.431, promulgada em abril deste ano, foi considerada um avanço importante no combate à exploração infantil. A avaliação é que medidas legais, como o depoimento especial, que facilita a participação de crianças e adolescentes em processos judiciais, podem ajudar a aumentar a solução de casos.

"Em Porto Alegre, nas primeiras varas em que as salas especiais foram implementadas, o percentual de responsabilização de agressores subiu de 3% para 70%" afirmou Eva Dengler, gerente de programas e relações empresariais da Childhood Brasil.

Claudia Vidigal, secretária nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, também citou outras normas recentes, como a que regulamentou a infiltração da Polícia Civil na internet, que seria a raiz de muitos dos casos de recrutamento de menores.

No entanto, as debatedoras reconheceram a existência de desafios institucionais que põem a campanha em risco.

De acordo com a oficial de proteção da Unicef Fabiana Gorenstein, é impossível fazer políticas eficientes se não houver dados para dar a dimensão do problema. "A distribuição da competência entre União, Estados e Municípios faz com que seja quase impossível dimensionar a abrangência epidemiológica da violência sexual."

Heloísa Oliveira, administradora-executiva da Fundação Abrinq, também apontou problemas no modelo federativo, que dificulta a implementação de políticas: "Mesmo que a lei seja excelente, você tem que adaptá-la do plano nacional para o estadual e, depois, para o municipal. Temos mais de 5.000 municípios: o problema não é só botar no papel, é também tirar do papel".

Sobre o problema da cultura institucional, Flávio Debique, gerente da Plan International Brasil, questionou a forma como as delegacias de polícia e os órgãos assistenciais tratam as denúncias de exploração infantil a depender da faixa etária do menor.

"A relativização da situação de adolescentes entre 14 e 18 anos ainda é comum nas delegacias, nos Centros de Referência de Assistência Social (Cras), nos Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas), nos Conselhos Tutelares. Tratam a situação como uma decisão autônoma do adolescente, como se ele quisesse estar ali."

FALTA DE COMUNICAÇÃO

Outra dificuldade no combate à exploração sexual infantil, segundo a presidente do Instituto Liberta Luciana Temer, é a falta de disposição da sociedade civil em discutir o assunto e acolher as crianças como vítimas. "Se uma menina tem 14 anos e quer se prostituir, o problema não é dela, é de todos nós".

Para combater a falta de comunicação e informação, o Instituto Liberta lançou, em parceria com a ONG Childhood Brasil e a Fundação Abrinq, a campanha Números. A intenção é que a revelação de dados relativos à exploração sexual infantil no país, líder na América do Sul em casos desse tipo, alimente a discussão na sociedade e quebre a cadeia de naturalidade e aceitação do abuso.

As três instituições, mais a Plan International Brasil e a Secretaria Nacional dos Direitos da Criança do Adolescente formaram uma coalizão que tem como objetivo promover ações de conscientização da sociedade civil durante o 18 de maio.

Segundo Claudia Vidigal, estão ocorrendo cerca de 400 ações pelo país, como fóruns de discussão, entrega de panfletos, oficinas e apresentações culturais.


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