Folha de S. Paulo


Austrália avança em saúde misturando modelos público e privado

Lalo de Almeida/Folhapress
Cirurgia em hospital de São Paulo
Cirurgia em hospital de São Paulo

O modelo australiano de saúde é considerado um dos melhores do mundo pela Organização Mundial da Saúde. Com hospitais bem equipados e médicos treinados, o país tem a expectativa de vida mais elevada no mundo para homens (80,4 anos) e a quarta mais alta para mulheres (84,5 anos).

Apesar da excelência, o sistema de saúde australiano vive um paradoxo. Os serviços de qualidade existem, mas o acesso é confuso devido à gestão multifacetada e complexa.

Clínicos gerais são o centro do sistema e quase todo processo médico na Austrália começa com uma visita a esse profissional. O paciente pode escolher ser atendido por um clínico e ser reembolsado pelo governo, por meio do programa Medicare, ou escolher um clínico geral que normalmente cobra acima do valor da tabela. Essa diferença, porém, será custeada pelo próprio usuário cidadão –até mesmo os planos de saúde são proibidos de cobrir o excedente.

Se o clínico geral achar que o paciente precisa passar por um especialista, há três opções. Procurar um especialista particular, com a vantagem de poder escolher o médico e ser atendido quase imediatamente. O valor da consulta do especialista é quase sempre mais alto do que a tabela do Medicare. Mas, nesse caso, o paciente pode pedir que o plano arque com a diferença

O paciente também pode procurar um hospital público, sem direito a escolher o médico e esperando o tempo que o hospital determinar. Nesse caso a consulta é 100% coberta pelo Medicare, ou procurar um hospital público e pedir para ser atendido como cliente particular.

Os gastos serão divididos entre o Medicare o plano de saúde. Dependendo do valor, o paciente também paga uma parte.

Entre despesas públicas e privadas, a Austrália gastou, em 2015, 161 bilhões de dólares australianos (R$ 370,5 bilhões) com saúde, o equivalente a 9,7% do PIB. Quase 70% saem dos cofres públicos.

Metade da população contrata um plano de saúde para ter acesso à rede privada, agilidade nos hospitais públicos ou reembolso fora do Medicare.

Apesar da procura crescente por seguros de saúde, a confiança na qualidade da rede pública continua firme. Dois terços das cirurgias e internações ainda acontecem nos hospitais estaduais.

O governo fomenta o mercado pressionando a população de alta renda. Pessoas que ganham mais de 90 mil dólares australianos (R$ 207 mil) por ano ou famílias com renda superior a A$ 180 mil são obrigadas a comprar um plano.

Quem não aceita sofre tributação adicional de 1% a 1,5% no imposto de renda. Como a mensalidade dos planos é relativamente baixa em relação aos salários, a maioria cumpre a regra.

ACERTOS E ERROS

O sistema de saúde australiano põe mais em prática o que o Brasil deixa muito na teoria: integrar as esferas primárias (consultórios e centros comunitários), secundárias (hospitais gerais) e terciárias (hospitais especializados).

Um resultado positivo é mais foco em prevenção e tratamento ambulatorial do que em intervenção hospitalar. Oito em cada dez serviços médicos são oferecidos por clínicos ou técnicos do nível primário.

Os Estados cuidam de hospitais e centros de saúde, enquanto o governo federal arca com os reembolsos do Medicare, subsídios para remédios e treinamento.

Mesmo com avanços na coordenação entre as esferas de atendimento desde as reformas nos anos 1980, a fragmentação institucional confunde os pacientes e resulta em cuidado incompleto.

Quando não age protocolarmente, encaminhando o paciente ao hospital público, o clínico geral custa a interagir com outros profissionais na esfera primária, como nutricionistas, fisioterapeutas e psicoterapeutas.

Cabe ao paciente buscar ajuda complementar por conta própria nos centros comunitários e clínicas particulares, se perdendo no labirinto do que é gratuito, pago e reembolsável pelo Medicare.

A lacuna entre demanda e oferta de profissionais é outra deficiência. Faltam especialistas nas cidades grandes e médicos de todo tipo em regiões não metropolitanas.

São 5.000 médicos a menos do que o necessário, embora o índice de 3,6 médicos por mil habitantes seja um dos mais altos no mundo. Nas zonas rurais, a relação cai para 1,35/mil habitantes, tão baixa quanto nas áreas brasileiras mais remotas.

A carência de especialistas é causada por insuficiência de escolas médicas e exigências para a licença. A formação especial leva em média 15 anos, incluindo graduação, residência, doutorado e, em alguns casos, estágio no exterior. Sem contar o custo elevado do ensino universitário.

Embora já dure mais de uma década, uma solução provisória tem sido atrair médicos estrangeiros. Um terço dos médicos nas regiões metropolitanas vem do exterior. Nas áreas remotas, a proporção chega a 50%.

Desigualdades sociais também impactam a saúde pública. A população aborígene vive, em média, dez anos a menos do que os demais australianos. Esse segmento social é mais afetado por distúrbios mentais associados a piores condições de vida.

Nos centros urbanos, o problema inverso é manter o atendimento primário de qualidade à medida que aumentam as doenças crônicas associadas à velhice, incluindo doenças mentais como depressão e demência.


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