Folha de S. Paulo


Inovação e busca por igualdade definem teorias sobre economia limpa

No fim do ano passado, 150 líderes mundiais se reuniram na ONU para adotar uma nova agenda para o desenvolvimento global.

Os objetivos do milênio estabelecidos em 2000 foram então substituídos pelos 17 ODS (objetivos de desenvolvimento sustentável).

"O conceito corrente de desenvolvimento é promover a melhoria de vida das pessoas sem destruir as bases da própria vida. É um programa de trabalho para construir o futuro", diz Ricardo Abramovay, professor da FEA (Faculdade de Economia e Administração) da USP.

Um dos pilares do desenvolvimento sustentável é a economia verde, conceito "guarda-chuva" que abriga diferentes correntes teóricas e pode ter várias definições.

"É um conceito que depende de problemas e interesses políticos e econômicos que podem variar muito", diz Layla Saad, diretora do Centro Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (Centro RIO+), da ONU.

De acordo com ela, foi só a partir de 2008, com o lançamento da Iniciativa Verde do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio ambiente), que a ideia ganhou mais força.

"A definição do programa ficou mais abrangente, acrescentou o bem-estar humano e a igualdade social como partes importantes da economia verde", afirma Saad.

As metas de sustentabilidade ficaram ainda mais atreladas ao fim da desigualdade. "Edifício com energia solar cercado por muros e seguranças não vale", exemplifica Abramovay.

Também não vale obrigar países com altos índices de pobreza a frear o crescimento econômico para cumprir com as metas globais de desenvolvimento sustentável.

TECNOLOGIA

"Os termos de negociação mudaram. Em vez de discutir como fazer para não emitir gases de efeito estufa, a pergunta é como vamos financiar e investir em tecnologia para contornar os problemas decorrentes disso", diz Abramovay

Ele cita como exemplo o compromisso da Índia de investir, até 2022, na produção do equivalente a seis usinas de Itaipu em energia solar e quatro em energia eólica. Itaipu é a segunda maior produtora de energia limpa e renovável do mundo.

A polarização entre os que defendiam o estado estacionário (PIB próximo a zero) ou decrescimento e os "otimistas da tecnologia", diminuiu bastante, de acordo com Priscila Claro, coordenadora do Núcleo de Estudos em Meio Ambiente e Centros Urbanos do Insper.

OPORTUNIDADES

O cenário se alterou devido à rapidez dos avanços tecnológicos e às mudanças nos modelos de negócios, impulsionadas por vários fatores, como crises econômicas e políticas ou o crescimento da economia digital.

"Hoje, temos muito mais dados, ferramentas e vontade de fazer a transição para a economia verde, seja por oportunidade de negócio ou por ameaças à saúde financeira da própria empresa", explica Claro.

Do ponto de vista das empresas, a economia verde pode reduzir tanto os riscos ambientais quanto os custos de produção, afirma ela. Em alguns casos,como quando há incentivos tributários, a tendência é o aumento da margem de lucro.

"Antes, queriam provar aos executivos das grandes empresas que investir em economia verde não teria impacto negativo nos custos. Agora já estão mostrando que há impacto positivo", diz ela.

É também uma oportunidade de reposicionar empresas por meio da produção de novos produtos e serviços.

"Tecnologia e química verde podem ser novas fontes de renda", diz a coordenadora do Insper.

TRANSIÇÃO

Para Annelise Vendramini, especialista em finanças sustentáveis do GVces (Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas), a transição para uma economia verde depende de políticas públicas, de muita inovação e de instrumentos de mercado para tornar mais viáveis e atrativos os produtos ditos verdes.

O consumo deve entrar em acordo com a nova lógica. "O consumidor precisa desenvolver consciência sobre suas atitudes. Ele deve começar a preferir produtos locais, o que evita grandes deslocamentos, e deve ter a noção do limite de resíduos que pode gerar", diz Vendramini.

Nem tudo pode ser negociado. As empresas precisam reavaliar suas cadeias produtivas e colocar os critérios ambientais no centro do processo para evitar perdas de recursos, avalia Saad, da ONU.

"Elas não podem acabar com os insumos naturais dos quais dependem para sobreviver", afirma.

"Impactos que resultam de um mau gerenciamento dos recursos, como mudanças no clima e tragédias naturais, não são negociáveis", resume Vendramini.

*

Adriano Vizoni/Folhapress
Detalhe de
Detalhe de "A Ferro e Fogo (Desdobramentos)", obra de Rodrigo Bueno

ÁRVORE GENEALÓGICA
Quais são os integrantes da família do desenvolvimento sustentável

Economia de baixo carbono
É voltada para a diminuição das emissões de carbono sem prejudicar o desenvolvimento econômico. Inclui ações como o fomento das energias renováveis, as melhorias na mobilidade urbana e a construção de prédios energicamente autossuficientes

Economia circular
A produção de bens é planejada para manter produtos, componentes e materiais em circulação, criando novos ciclos produtivos em vez de produzir lixo

Economia verde
Conjunto de processos produtivos que reduz os riscos ambientais e a escassez de recursos naturais e resulta em melhoria do bem-estar humano e igualdade social, na definição do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente)

Ecoeficiência
Propõe o menor uso possível de recursos naturais como insumos no setor produtivo. Inclui também a racionalização do consumo

Energia distribuída
A geração elétrica é feita junto ou próxima do consumidor, a partir de fontes renováveis ou da cogeração (produção combinada de calor e eletricidade)

*

ONDE ESTÃO AS ONDAS VERDES

Energia solar
Segundo dados da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), a China possui a maior capacidade instalada de energia solar do mundo. O país alcançou,
em 2015, capacidade para gerar até 43,5 GW apenas com painéis fotovoltaicos

Gestão da água
Com uma população de 5 milhões de pessoas vivendo em uma área de apenas 710 quilômetros quadrados, Cingapura teve que adotar soluções integradas para o suprimento de água potável. Uma delas é a Newater, marca de água potável reciclada por entidades públicas do país

Energia Eólica
Em 2015, 42% da eletricidade produzida na Dinamarca foi gerada por turbinas eólicas, um recorde mundial no uso desta fonte renovável de energia; o país conseguiu até a exportar 40% de sua produção excedente

Biomassa
A biomassa da cana de açúcar é a segunda principal fonte de energia elétrica no Brasil, atrás apenas da gerada nas hidrelétricas. O derivado da cana tem potencial para responder por cerca de 20% da matriz energética brasileira até 2030

Fontes: Annelise Vendramini, da FGV (Fundação Getúlio Vargas); Layla Saad, da ONU (Organização das Nações Unidas); Ricardo Abramovay, da USP (Universidade de São Paulo)


Endereço da página:

Links no texto: