Folha de S. Paulo


Indústria tem de criar produtos para sua sucata, diz dirigente

o caminha da reciclagem no brasil

A indústria tem de criar produtos para as sucatas que gera e os produtos mais poluentes devem pagar mais impostos. As opiniões são do presidente executivo da Abralatas, Associação Brasileira dos Fabricantes de Latas de Alta Reciclabilidade, Renault de Freitas Castro.

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Folha - O que o sucesso das latinhas de alumínio pode ensinar para outras iniciativas de reciclagem no país?
Renault de Freitas Castro - Que é necessário ter demanda. As latinhas têm demanda para 100%. Os outros materiais têm índice baixo. Para o vidro nem existe quase demanda. Não existe quem vá comprar. O alumínio tem interesse. E por ter interesse e mercado, quem quer começar pode montar um depósito e tem para quem vender. Sem facilidade de vender, ninguém vai comprar.

Como fazer para dar mais valor aos materiais?
Há dois componentes básicos: a existência de uma indústria recicladora e o número de aplicações possíveis, seja no próprio produto, como é o caso das latinhas, seja em outros produtos, como é o caso das garrafas PET virando fios para tecelagem. E daí já pode surgir uma desvantagem, se o preço do original for mais barato que o do reciclado. Hoje, não existe demanda de PET suficiente para ter preço bom.

Como mudar esse panorama?
A indústria teria de se interessar em criar produtos para as suas sucatas. Se ela não criar usos ou não inventar outros usos, quem vai arcar com essa sucata? No caso do plástico, a própria indústria do plástico deveria se encarregar desses resíduos que gera. É o princípio do poluidor-pagador. Senão, é a sociedade que vai pagar. A indústria tem de cuidar das externalidades geradas. Todo esse tema do aquecimento global passa por aí. Não há mundo que se viabilize com alguém gerando custos para os outros. É injusto e anti-ético.

O que precisa melhorar na reciclagem de alumínio?
As condições de vida e de trabalho dos catadores. Isso merece a contribuição da sociedade e do governo. A maior parte dos catadores não está vinculada a cooperativas ou associações e portanto é difícil que esses trabalhadores sejam atendidos por políticas governamentais. Se o trabalho fosse formalizado, você poderia por exemplo criar uma linha de financiamento de veículos para catar sucata. Com um veículo, o catador teria mais eficiência e produtividade. Com vários catadores assim, essa cooperativa teria mais volume de material. Com mais volume disponível, a empresa recicladora teria interesse em buscar diretamente da cooperativa o material. A cadeia se encurtaria e o catador incorporaria no seu ganho as margens de lucro que hoje estão divididas entre os vários intermediários. Seria um aperfeiçoamento social, ambiental e econômico.

Quais as responsabilidades das empresas e do governo?
Existe uma parte que só o governo pode fazer que é facilitar a formação de cooperativas, simplificando a burocracia, para que esses trabalhadores tenham benefícios como o INSS e o sistema de saúde. Assim, as cooperativas ficariam mais atraentes para os catadores. Hoje, um catador ganha mais se ele vender direto. Mas se ele tiver acesso a aposentadoria, convênio, a cooperativa ficaria mais atraente.
As empresas podem colaborar como parte dos acordos setoriais para investir nas cooperativas. No caso das embalagens, o grupo Coalizão reúne 22 associações e tem compromisso de criar um sistema de metas, deveres, obrigações. Dentro desse acordo, há metas de investimento, por exemplo, de compra de prensas de grande capacidade, esteiras de separação e outros equipamentos, além de treinamento para as cooperativas, não só na própria reciclagem como na administração financeira, na logística.

Como garantir algum avanço?
Temos que ter multa para as empresas que não aderirem aos acordos setoriais. Queremos que o governo vá atrás. Nas embalagens, por exemplo, o aço e o vidro não aderiram. E é evidente que não é eficaz pensar numa coleta separada. Não existe racionalidade em ter acordo separado. É excrecência. O sistema tributário atual brasileiro é nefasto. Enquanto o produto muito poluente não for mais tributado que o produto menos poluente não vai dar. É preciso que sejam criados instrumentos para tornar mais caro o produto de maior impacto e mais barato o de menor impacto. Claro que isso seria feito gradativamente. Se você induz a economia a gerar mais recicláveis, aumenta esse mercado. E isso pode se tornar efetivamente uma categoria industrial. Podemos imaginar que uma grande união de cooperativas pode gerar uma empresa que assuma a limpeza pública em algumas cidades. Enfim, criar esse novo mercado compatível com esse novo mundo que queremos.


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