Folha de S. Paulo


Reúso de tecido engatinha, mas abre portas no setor de vestuário

Marlene Bergamo/Folhapress
Zíperes usados vendidos em feira em São Paulo
Zíperes usados vendidos em feira em São Paulo

Há uma conta difícil de fechar na indústria têxtil brasileira. O país importou, em 2015, 9 toneladas de retalhos para fazer de estopas a estofados, mas não consegue reutilizar as duas toneladas de sobras de tecidos que são jogadas por dia só na região do Bom Retiro, em São Paulo.

Os dados paulistas são a base do problema mundial que é o descarte desses resíduos. Essa indústria joga no lixo 400 bilhões de metros quadrados de panos por ano, sendo 20% desse montante perdido já no corte das peças.

Desde 2010, quando foi criada a lei de logística reversa, se esboçam ideias para mitigar perdas e gerar lucro para a cadeia produtiva.

Exemplo é o Banco de Tecidos, da empresária Lu Bueno, que dá vida nova a tecidos, retalhos e restos de rolos descartados por confecções.

Ela transformou sobras em moeda de troca nos três pontos espalhados por São Paulo e Curitiba. A cada 10 quilos de tecido levado por uma confecção, 7,5 viram crédito para a mesma empresa comprar outros modelos de matéria-prima disponíveis no estoque do banco, que retém os outros 2,5 quilos para revenda, a R$ 45 o quilo.

"A responsabilidade pelo descarte não é prioridade para os empresários, mas devido à pressão da lei de logística reversa e à economia que esse corte de gastos gera, eles estão mais dispostos a ouvir soluções", diz a empresária.

Já o projeto Retalho Fashion, capitaneado pela Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção) e a Sinditêxtil em parceria com a prefeitura paulistana, quer ser modelo para o país.

A ideia é que catadores de cooperativas de reciclagem separem os resíduos das confecções do Brás e do Bom Retiro para, depois de enfardados (montados em blocos), serem vendidos às indústrias que desfibram esse material para usá-los em mantas, sofás e colchões, por exemplo.

De acordo com a analista de projetos industriais da Abit, Mariana Correa, o projeto espera, desde 2015, a liberação do espaço prometido pela prefeitura. Há máquinas doadas por empresas locais prontas para funcionar.
Indústrias de uniformes, diz ela, passaram a usar materiais biodegradáveis e tinta sem corantes para, no descarte, reduzir a agressão ao ambiente e facilitar o reúso.

A noção de que roupa velha faz roupa boa levou as sócias Isa Maria Rodrigues, Luana Depp e Mayra Sallie a criarem a marca Mig Jeans.

Colegas numa faculdade de moda do Rio, elas tiveram a ideia de customizar jeans encalhados em araras de brechós ou nos guarda-roupas de pessoas comuns.

o caminha da reciclagem no brasil

Há um ano e meio rodam em feiras de moda customizando ou vendendo peças prontas por até R$ 120. A start-up estima que 2.000 peças foram reaproveitadas.

As sócias negociam agora acordo com fábricas da região dos Lagos (RJ) para o reaproveitamento de peças-piloto ou com defeito de fabricação.

"Do ponto de vista de moda, os jeans reciclados são muito interessantes porque a partir do momento que a mancha, o rasgo ou a modelagem defeituosa não se repetem, a peça se torna única depois de customizada manualmente", diz Rodrigues.

O modelo de exclusividade a partir de resíduos também é o foco da Trópicca, grife mineira do artesão João Antônio Pereira e da empresária Sabrina Freire.

Em Carmo do Rio Claro (382 km de Belo Horizonte), dez tecelões trabalham para reaproveitar sobras de fios de algodão da indústria têxtil, fios de PET e até fitas VHS na confecção de tecidos que viram bolsas, cachecóis e protótipos de sandálias.

A grife tem 68 pontos de venda espalhados pelo Brasil e exporta para a Austrália, o maior consumidor mundial de moda sustentável, ao lado dos Estados Unidos.

"A cadeia de moda tem a obrigação de entender que o lixo delas não é lixo. Os artesãos que trabalham conosco não desperdiçam nem um fio, tudo é feito com um padrão sob medida", explica Freire.

Ela acrescenta: "Há uma revisão no método de produção têxtil no mundo, que vai desde o respeito à mão de obra até a reutilização dos insumos pelas marcas. Esse ciclo definirá o padrão de toda a indústria num futuro muito próximo".


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