Folha de S. Paulo


'Faltam médicos sob todos pontos de vista', diz superintendente do Sírio-Libanês

Assista ao debate

A incorporação da tecnologia no sistema de saúde deve estar associada à redução de custos e ao aumento da qualidade dos serviços ofertados. Essa constatação norteou o debate da última mesa do Fórum Tecnologia e Acesso à Saúde promovido pela Folha nesta segunda-feira (31) no auditório do Tucarena, em São Paulo.

Primeiro a falar, Paulo Furquim, coordenador do Centro de Pesquisa de Estratégia do Insper, afirmou que a discussão em torno da tecnologia da medicina deve se concentrar no lado da demanda e levar em consideração o fenômeno da judicialização da saúde.

Segundo ele, o fato de que as partes possam recorrer ao Judiciário para exigir um tratamento é desejável em uma democracia. O problema, diz, é a decisão do Judiciário normalmente ser muito baseada no indivíduo e pouco preocupada com o todo. É impossível mensurar o valor de uma vida, "mas, do ponto de vista da sociedade, uma decisão favorável ao indivíduo pode ser prejudicial ao sistema".

Claudio Lottenberg, presidente da Sociedade Israelita Brasileira Albert Einstein, ressaltou que a tecnologia ruim, desprovida de teste empírico, encarece o sistema e pode ser pouco eficiente para o paciente.

Outro problema é a ausência de informação e conhecimento por parte do médico e do paciente. "Hoje até mesmo o médico desconhece os resultados da tecnologia que está aplicando".

Lottenberg também apontou a remuneração dos médicos como um problema para o sistema como um todo. Hoje o profissional recebe de acordo com a doença e não com a saúde dos pacientes. Assistiríamos hoje, segundo ele, à prática da medicina vingativa. "O médico ganha pouco e por isso pede exames que não precisaria pedir".

Para Antônio Jorge Gualter Krops, diretor da Amil, não se pode brigar com a tecnologia. "É uma das maiores conquistas da humanidade". O problema, diz o médico, é a inequidade, que distribui o acesso à inovação de modo irregular.

Ele prevê que uma das tendências mais importantes do futuro da medicina será o autocuidado. Com mais acesso à informação, os pacientes terão maior responsabilidade dentro do tratamento, o que deverá ter impacto na própria atuação do médico.

O superintendente de Estratégia Corporativa do Hospital Sírio-Libanês, Paulo Chapchap, abordou a questão da tecnologia pela ótica da carência de recursos humanos em número e competência. "Faltam médicos sob todos os pontos de vista". Segundo ele, para atingir a quantidade de profissionais recomendada pela OMS teríamos que aumentar em ao menos 50% a oferta de médicos.

Ele atribui a esse fator as dificuldades de alocar médicos em regiões menos desenvolvidas. "Para levar um pediatra ao Grajaú, no extremo sul de São Paulo, temos que pagar um salário de R$ 20 mil para uma jornada de 40h semanais. Em que outra profissão encontramos um salário inicial como esse?"

Chapchap disse também que a avaliação positiva dos médicos cubanos que trabalham no Programa Mais Médicos se deve, essencialmente, à experiência que eles têm com a atenção básica. Os poucos médicos que formamos "não têm a capacidade necessária de acolhimento do paciente".

Durante o debate foi levantada a questão do financiamento do sistema de saúde público. Furquim lembrou da recente movimentação do governo federal pelo retorno da CPMF como forma de trazer mais recursos para a saúde e a resistência da classe política e da sociedade em geral à volta do tributo.

Chapchap, no entanto, disse que é impossível alcançar alguma equidade na oferta de serviços públicos de saúde se o volume de recursos disponíveis não for maior do que os atuais 4% do PIB.

Por fim, o superintendente de estratégia corporativa do Sírio Libanês reforçou a tese de Krops de que a tendência é que o paciente se torne cada vez mais um agente ativo do seu próprio cuidado.

"Os médicos têm que entender que terão papel diferente no futuro e que perderão o protagonismo para o paciente."


Endereço da página:

Links no texto: