Folha de S. Paulo


Judicialização da saúde é produto de um sistema mal gerido, diz advogada

A judicialização é defensora do direito à saúde ou vilã? Esta foi a discussão da primeira mesa desta quarta-feira (15) do 3º Fórum A Saúde no Brasil, promovido pela Folha, Interfarma e Unimed.

Com o tema "saúde em tempo de recessão", os participantes começaram o segundo dia do fórum debatendo o impacto das ações judiciais no custo da saúde e o dilema entre proteger e garantir os direitos dos cidadãos e o risco de inviabilizar o sistema.

"O Judiciário tem a clareza de estar trabalhando para aumentar a eficiência do sistema", afirmou Deborah Ciocci, juíza do Tribunal de Justiça de São Paulo. Há também clareza, segundo ela, dos excessos que estão sendo cometidos.

"Houve um aumento de 129% nos gastos com judicialização na área de saúde", disse a juíza.

A criação de um núcleo de apoio técnico ao Judiciário, no qual médicos e especialistas poderiam dar aos juízes informações necessárias para as decisões (real urgência de um atendimento, custo/benefício de um medicamento) seria uma forma de melhorar esse quadro.

Para Renata Vilhena Silva, advogada especialista em direito da saúde, o aumento de ações judiciais está acontecendo porque a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) não tem conseguido cumprir seu papel de reguladora e não garante que o cidadão receba o serviço pelo qual pagou.

Segundo Vilhena, há operadoras que vendem planos sem ter hospitais para realizar todos os procedimentos previstos, por exemplo. E a falta de transparência na relação com prestadores de serviços, como hospitais e laboratórios, encarece a saúde tanto para o consumidor quanto para as operadoras.

"A judicialização não é causa da crise, e sim consequência de um sistema mal gerido", afirmou Vilhena.

Solange Mendes, presidente da FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar) rebateu: "A judicialização é hoje a indústria do direito individual se sobrepondo ao coletivo".

No Judiciário, ações contra o SUS são tratadas da mesma forma que as ações contra as empresas da saúde privada, afirmou Ciocci.

"Não é possível dar tudo o tempo todo para todas. Mas há decisões que beneficiam o indivíduo e prejudicam o coletivo", disse Mendes.

As ações individuais têm tido muito êxito, segundo Ciocci, mas a juíza lembra que embora o acesso à Justiça seja garantido a todos, não é todo mundo que tem condições de arcar com as despesas de advogados.

Vilhena Silva lembrou que pessoas fragilizadas por uma doença também podem ser vítimas de maus profissionais.

"Existem médicos que estimulam pacientes a entrar com ação para receber propina (de fabricantes de equipamentos médicos, por exemplo). Ou advogados que só estão pensando em seus honorários. Há maus profissionais em todas as áreas. Mas não é possível que os juízes que têm aprovado essa tonelada de processos ajam só por 'dó' do paciente. Juiz não é bobo", disse a advogada.

Para superar os impasses, Mendes afirmou que é preciso um debate com a sociedade sobre o que a população espera do SUS e dos planos de saúde e como as políticas públicas e as regras de utilização e acesso podem garantir os direitos de todos e não de apenas alguns.


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