Folha de S. Paulo


opinião

Ensino da medicina tem que se adaptar ao exercício da profissão

No atual contexto do ensino superior médico no país, as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) apontam para uma formação orientada às necessidades da sociedade e à integralidade do cuidado à saúde. Também orientam o uso de metodologias ativas de ensino e a contextualização da formação no Sistema Único de Saúde (SUS).

Há uma divergência das práticas tradicionais, ainda hegemônicas, e essa mudança indica um diálogo tardio, mas nascente, entre os Ministérios da Saúde e da Educação. A sociedade deve ficar atenta para que essa articulação seja aprofundada e seus frutos, colhidos.

Como, historicamente, os modelos de formação respondem a um determinado modelo de atenção à saúde e vice-versa, as mudanças precisam ocorrer nas duas pontas.

Na atenção à saúde, temos que enfrentar as insuficiências dos modelos fragmentados, centrados na hospitalização e na dimensão biológica do processo saúde-doença. No ensino superior, precisamos questionar a pedagogia tradicional, o foco no conhecimento dos docentes com postura passiva e acrítica dos estudantes, a despersonalização das trajetórias de aprendizagem, que são singulares, e a valorização do domínio cognitivo como capaz de predizer competência.

Ou seja, temos que mudar substancialmente o modo de educar o futuro médico, fazendo com que o aluno se transforme no sujeito de seu processo de formação.

Com diferentes estratégias, as iniciativas de mudança visam à ampliação das capacidades dos profissionais, para que resgatem a humanização da saúde e o compromisso com uma prestação de serviços com qualidade, eficiência e segurança.

O perfil do médico do século 21 é aquele capaz de se manter permanentemente atualizado e de trabalhar articuladamente com uma equipe multiprofissional e com outros setores da sociedade, investindo na promoção e proteção da saúde, de modo integrado ao meio ambiente e às sociedades.

Entretanto, há desafios a serem superados. A maior aproximação dos mundos do trabalho e do ensino é um ponto chave. No mundo do trabalho, os serviços de saúde terão que servir de espaço real da elaboração do novo médico e, mais além, ser um local de contínua construção do conhecimento, com o profissional em exercício.

A maioria dos estudantes de medicina chega às universidades com impressionante vontade de ajudar as pessoas e de contribuir para a sociedade. Cabe aos serviços e à academia manter essa chama acesa. E isso será possível se conseguirmos dar a estes alunos o protagonismo que eles desejam e que nós professores lhes negamos por nossa incapacidade de enxergar a contemporaneidade.

GONZALO VECINA NETO é superintendente do Hospital Sírio-Libanês e professor da Faculdade de Saúde Pública da USP
ROBERTO DE QUEIROZ PADILHA é superintendente de ensino do Hospital Sírio-Libanês


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