Folha de S. Paulo


análise

A reforma da saúde começa com uma nova visão do vestibular

A meritocracia, que pauta os vestibulares de medicina no Brasil atualmente, é eficiente em promover os melhores entre os estudantes que saibam resolver questões de múltipla escolha e escrever uma redação.

Entendida como a capacidade de aprender uma disciplina, é uma condição necessária, mas não suficiente para selecionar um médico. E muitas vezes é usada no Brasil como limitadora de acesso à universidade. Perdemos bons médicos a cada ano com Enem e vestibulares.

Algumas faculdades de medicina ao redor do mundo, como a canadense McMaster, passaram a selecionar os postulantes que já possuíam notas mínimas em avaliações básicas através de atividades chamadas minientrevistas múltiplas (MMI, na sigla em inglês).

Nelas, os alunos passam por etapas que avaliam comunicação, colaboração, ética, pensamento crítico, sensibilização para questões sociais e políticas de saúde, e outras qualidades pessoais. É uma forma de selecionar que simula melhor o que o estudante encontrará de fato na prática médica.

Mas tudo isso ainda não é suficiente. É fundamental que, na medicina, os estudantes representem a sociedade na sua diversidade. Na Holanda, chegou-se a usar o sorteio como forma de seleção entre alunos bastante qualificados. Ele tem a vantagem de não discriminar os alunos e dar igualdade de oportunidades a todos.

O processo seletivo, como tem sido feito no Brasil, vai na direção contrária. Tem produzido estudantes de medicina extremamente homogêneos -um estudo indicou que 90% dos alunos da área tinham renda familiar acima de dez salários mínimos.

Estas distorções na seleção de futuros médicos podem levar a inferências mágicas que são frequentes, como a que supõe também serem aqueles da elite os merecedores de boa assistência médica. Sabemos que não é assim.

Todos precisam de excelente atendimento médico, seja rico ou pobre, pertencente ou não a minoria, habitante do mundo rural, urbano, ou de áreas isoladas. A reforma do vestibular de medicina tem que ser feita para refletir estes perfis e estas necessidades.

GUSTAVO GUSSO é médico de família e professor da Faculdade de Medicina da USP

JUAN GÉRVAS é professor da Escola Nacional de Saúde Pública da Espanha


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