Folha de S. Paulo


Brasil deve se adaptar para evitar tragédias de mudanças climáticas, diz Carlos Nobre

Para Carlos Nobre, secretário de Políticas e Programas de Desenvolvimento do MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação), a adaptação é a palavra-chave para evitar maiores tragédias em decorrência do clima.

O climatologista encerrou, já no começo da tarde desta terça-feira (3), o Fórum de Sustentabilidade, promovido pela Folha.

A adaptação, explica Nobre, nada mais é do que se criar alternativas para viabilizar a vida no mundo com clima diferente. "A adaptação tem que ser vista num contexto amplo e não só no perigo que vem do clima, mas na vulnerabilidade e na exposição das regiões."

De maneira prática, a política de adaptação pode ser exemplificada com os projetos de infraestrutura. "Em Nova York e em Roterdã, há um plano para os portos destas cidades se adaptarem ao aumento do nível do mar e ao aumento da violência dos fenômenos atmosféricos no oceano. Tudo isso já está acontecendo."

Para Nobre, as mudanças irreversíveis na estrutura climática do Brasil têm que ser levadas em conta na hora de se fazer obras de infraestrutura. "O clima está indo para outro estado de equilíbio nesse momento, a variabilidade está mudando. Existem novos volumes e números máximos, e como você faz? Reconstrói a infraestrutura da região com o máximo ou vive pensando que o evento nunca mais vai acontecer?", questiona Nobre.

Nobre citou as enchentes do rio Madeira, que ocorreram no começo do ano na região Norte. Por causa de chuvas atípicas na região, o nível do rio ficou 3 metros acima da antiga máxima. Segundo Nobre, por mais que sejam eventos raros, não há mais como saber se eles vão ou não ocorrer de novo, então é melhor estar preparado. "A melhor maneira é se adaptar aos extremos de hoje. Assim, já nos adaptamos aos extremos do futuro."

"Será que esses eventos serão tão raros assim? As mudanças cimáticas mudam a natureza da variabilidade, mudam como a variação ocorre, não exatamente mudam o clima total. As inundações de 2012 e 2014 não podem mais ser explicadas pela variabilidade natural da amazônia", acrescentou Nobre.

O mesmo ocorre no Sudeste. As chuvas excessivas e atípicas que se transformaram em desastre na região serrana do Rio de Janeiro em 2011 se repetiram em Petrópolis no ano passado. E, em São Paulo, diz Nobre, por mais que o volume de chuvas tenha aumentado na capital do Estado - pela ordem dos 30% - o mesmo não aconteceu no lugar onde fica o sistema Cantareira. "Há uma teoria que diz que o Cantareira está respondendo de maneira inversa ao aumento de chuvas na grande São Paulo. Como se estivesse compensando do outro lado da serra."

Além de repensar as construções tomando os "novos" números em conta, outro ponto que pode ser vital para a adaptação são os sistemas de alerta, para que o governo possa agir com algum tipo de antecedência. "Desenvolver sistemas de alerta é algo importante dentro da estratégia de adaptação. Na verdade, é a primeira estratégia de adaptação.".

Infelizmente, diz Nobre, por mais que as obras se adaptem, as cidades consigam sobreviver às possíveis mudanças climáticas, os animais e plantas, dificilmente, conseguirão. "Os ecossistemas da Amazônia não acompanham a velocidade da mudança climática. Em outros sistemas, conseguimos enxergar soluções, dá para adaptar obras. Para a biodiversidade não há solução à vista, a ciência ainda não conseguiu encontrar uma forma de adaptar a biodiversidade".


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