Folha de S. Paulo


Especialistas defendem planejamento estratégico para solucionar crise de água

A necessidade de se criar uma gestão sustentável dos recursos hídricos no Brasil, à luz da atual crise de abastecimento no reservatório da Cantareira, orientou a discussão do segundo painel do Fórum Sustentabilidade –terceiro seminário da série promovida pela Folha para discutir o cotidiano dos brasileiros– na manhã desta segunda-feira (2).

José Galisia Tundisi, presidente da Associação Instituto Nacional de Ecologia e Gerenciamento Ambiental, Stela Goldenstein, diretora-executiva da Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) Águas Claras do Rio Pinheiros, e Vicente Andreu, diretor-presidente da ANA (Agência Nacional das Águas) foram os convidados para falar sobre o tema.

Os três palestrantes abordaram as perspectivas e prejuízos ambientais e econômicos em relação à crise de abastecimento e defenderam a necessidade de um programa de gestão de riscos mais eficiente.

Para Andreu, a falta d'água precisa entrar na agenda nacional. "Durante as manifestações de junho, não tivemos praticamente nenhum tema das questões ambientais entre as reivindicações. Infelizmente, esses temas estão bastante restritos. Mesmo com a grave crise [da água em São Paulo], as pessoas se manifestam em relação à Copa, mas não em relação à questão da água", disse.

O diretor da ANA, atribuiu essa "ausência de reivindicação" ao imaginário de que o Brasil possui grandes quantidades de água: "Isso é verdade, em média. Mas boa parte da água está concentrada na região Norte do país, que tem menor densidade populacional".

Outro problema é a necessidade de se propor uma gestão complementar dos recursos hídricos, como apontou Stela Goldenstein. "Há uma gestão insustentável da água nas metrópoles. Temos mudanças climáticas em curso, o que vai levar a gestão do risco a ganhar maior destaque", afirmou.

"Precisamos superar os problemas institucionais para vencer desafios. Sabemos quem tem que proteger os mananciais, quem tem que captar a água, quem tem que cuidar de enchentes, quem leva água poluída para os rios e quem faz o controle. Mas não temos estruturas para recuperar mananciais e para controlar a demanda", argumentou a convidada.

Tundisi, da Associação Instituto Nacional de Ecologia e Gerenciamento Ambiental, também criticou o "problema de governança da água". Ele destacou dois pontos necessários para melhorar a gestão dos recursos hídricos: estudo estratégico da disponibilidade e da demanda e economia de água. "Soluções de engenharia custam muito maias do que as soluções de preservação", disse.

RACIONAMENTO EM SP

Sobre a falta d'água no sistema Cantareira, em São Paulo, Tundisi chamou atenção para as perdas econômicas que uma possível crise de desabastecimento pode provocar no estado. "A economia de São Paulo depende da água. Temos hidrovias, produção de energia e abastecimento público. No oeste de São Paulo, o uso competitivo interfere no próprio abastecimento público", afirmou.

As medidas adotadas pela Sabesp para lidar com a crise e possibilidade de o governo adotar um racionamento na região metropolitana de São Paulo também foi discutida pelos convidados.

Sobre a utilização do volume morto, captado desde o dia 15 de maio no sistema Cantareira, Tundisi afirmou que é uma "solução emergencial e seguramente essa água é mais contaminada, mas é preciso lembrar que o sistema de tratamento da Sabesp é eficiente. Essa água servida segue padrões que não põem em risco a saúde da população".

Perguntado por Marcelo Leite, repórter especial da Folha e mestre de cerimônias do evento, se o racionamento já deveria ter sido adotado, Tundisi respondeu que "provavelmente, sim". O convidado destacou a necessidade de se pensar em planejamento estratégico e em análise de riscos não só para a crise atual, mas para uma possível estiagem no próximo verão.

"Se houver crise de água como foi neste ano, vamos passar por sérias crises econômicas. E não é só problema de abastecimento. A hidrovia [no oeste do estado] parou na semana passada e a substituição [dos barcos] incluiu o uso de 4.000 caminhões. São Paulo é o maior produtor do mundo de suco de laranja e de ovos, tudo isso depende de água", afirmou Tundisi.

Para Stela Goldenstein, é necessário despolitizar a crise. "A população tem capacidade de interagir e entender de forma positiva. Fazer rodízio não é simples. Não é só uma decisão política, é complicado em termos técnicos. Quando se reduz a pressão da água, há risco de contaminação e vazamentos quando a pressão aumenta de novo", argumentou.

Contra a politização do tema, que para Stela é um "desserviço", Vicente Andreu, da ANA, defende a transparência. "Precisamos informar as pessoas sobre os riscos das opções que têm que ser tomadas e quais opções elas querem que sejam tomadas. A situação é muito grave, não é algo que já tenhamos vivenciado", disse.


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