Folha de S. Paulo


Setor privado gasta mais que o governo na área da saúde

De cada R$ 100 investidos em saúde, R$ 54 saem dos bolsos das famílias e dos caixas das empresas. Os R$ 46 restantes vêm do setor público.

Segundo especialistas, entre os países que adotam o sistema de saúde universal, o Brasil é o único onde o gasto do governo com saúde (46% do total) é inferior ao investimento privado.
No Reino Unido, as despesas do setor público somam 83% do total; no Canadá, 70,4%; na Argentina, 61%.

A distorção brasileira é consequência do modelo existente antes da Constituição de 1988 e da falta de recursos públicos.

"Já existiam prestadores de serviços de saúde estabelecidos e, além disso, não houve o aporte necessário do setor público", afirma o pesquisador Alexandre Marinho, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

A dificuldade de atendimento no SUS (Sistema Único de Saúde) alimenta a demanda por serviços privados de saúde, que nos últimos anos também foi impulsionada pelo aumento da renda.

Ter um plano de saúde entrou para o rol de desejos da chamada nova classe média, o que levou na última década à alta de 57% no número de usuários com algum tipo de cobertura -de 32 milhões para 50 milhões de pessoas.

Mas o avanço da demanda por serviços privados veio acompanhado do aumento de problemas semelhantes aos que afetam a rede pública, como demora para ser atendido por especialistas.

Ao longo dos últimos dois anos, o índice de reclamações contra prestadores privados dobrou, segundo dados da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), embora tenha ocorrido um recuo moderado nos últimos meses.

A queda recente é reflexo de medidas criadas pela ANS para melhorar o atendimento dos planos privados, como o estabelecimento de tempo mínimo para atendimento.

As regras mais rígidas também contribuíram para acelerar um movimento de consolidação do setor. Entre 2003 e setembro do ano passado, o número de operadoras privadas caiu de 1.814 para 1.274.

"Hoje, a cobertura mínima é tudo, todas as doenças e, portanto, todos os tratamentos. Nem todas as operadoras têm garantias para fazer frente às exigências", diz Marcio Coriolano, presidente da FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar).

Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress

DEBATE

A demanda crescente por planos e a maior complexidade do panorama de saúde no Brasil -com o envelhecimento mais rápido da população- têm alimentado o debate sobre a necessidade de maior integração entre os sistemas público e privado.

"É fundamental que o nível de coordenação entre os dois, que hoje é muito baixo, aumente", diz Paulo Gadelha, presidente da Fiocruz.

Para Dirceu Barbano, que chefia a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), é preciso derrubar a dicotomia entre os dois sistemas de saúde no Brasil.

"Temos que ver essa perspectiva de interação muito mais como uma oportunidade do que como um problema", disse Barbano durante o Fórum a Saúde do Brasil, da Folha. O desafio, segundo especialistas, é encontrar formas de maior integração.

Um tema polêmico é a renúncia fiscal do governo com as isenções e os abatimentos tributários na área da saúde, como os descontos de despesas do Imposto de Renda.

Em estudo de 2012, a Fiocruz defende que é necessário avaliar se o benefício gerado para empresas e famílias compensa a perda de arrecadação que poderia, por exemplo, ser investida de outra forma na saúde pública.


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