Folha de S. Paulo


Artista 'anônimo' transforma muro grafitado em cartão-postal do bairro da Liberdade

Não é mais surpresa para Matiko Shiramizu, 65, e Carlos Tsuchiya, 63, ver alguém fazendo fotos ou filmagens em frente ao muro do estacionamento que administram.

Diariamente eles se deparam com alguém usando o grafite no nº 361 da rua Galvão Bueno, na Liberdade, como cenário.

Coberta por uma série de riscos coloridos, a parede de 8 m de largura e 6 de altura, mais 4 m de um portão e até um poste no mesmo estilo, virou cartão-postal do bairro de tão fotografada.

Em junho, o paulistano Rafael Sliks, 32, criou o desenho com ares de arte abstrata de Jackson Pollock (1912-1956) --um mix com milhares de palavras.

São nomes de amigos, familiares e letras de rap. "A ideia é escrever, mas deixar tudo ilegível. Para mim, representa o caos da cidade."

"Não entendo de arte e não sei o que o pessoal tanto vê nessa pintura", conta Carlos, rindo.

À moda do grafiteiro britânico Banksy, o artista não revela o sobrenome nem mostra o rosto.

Nas ruas, é conhecido desde os anos 1990 por Sliks --apelido que inventou pela sonoridade e que espalha pela cidade em "tags" (estilo de assinatura feito com spray ou canetão) e "bombs" (grafite feito com letras grandes).

"Tem muito artista que quer aparecer. Prefiro que apenas a minha arte seja conhecida", afirma.

A explosão de palavras surgiu ao mesmo tempo que uma reviravolta em sua vida. Em 2013, o paulistano criado no Grajaú e atual morador do centro abandonou o emprego de quatro anos de designer de uma marca de roupas para viver apenas de arte.

Viajou e deixou suas marcas com spray pela Europa e pelos Estados Unidos.

Sem galeria fixa, passou a negociar seus trabalhos sozinho pela internet. Sua obra mais vendida é uma fotografia de uma modelo com o rosto pichado com a sua assinatura. Restam dez de cem cópias (R$ 700 cada). A maioria foi vendida para colecionadores na Europa e nos EUA.

Em uma nova tiragem, ele homenageia seus mestres. O pintor belga Jan van Eyck (1395-1441) e o americano Andy Warhol (1928-1987) passaram de artistas ao status de arte ao ter seus retratos marcados pela intervenção do canetão de Sliks.

"A maneira como ele se apropria de outras obras e coloca a sua marca é muito autoral. Ele cria seus próprios símbolos e esse é um caminho muito interessante", diz Oscar Cruz, que abriga quatro obras de Sliks em uma exposição em sua galeria até 31 de janeiro.

Na rua Galvão Bueno, a marca de Sliks pode desbotar em breve. "Ele já disse que daqui a pouco apagará o muro para fazer outro. Quem quiser, tem que vir tirar foto logo", diz Matiko.


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