Folha de S. Paulo


Aberta em 1935, uma das chapelarias mais tradicionais de SP fecha as portas

Na esquina onde se encontravam cartazes glamurosos como "Panamá", "Borsalino" e "Cloche", hoje se lê uma faixa plástica branca com letras azuis: "PASSO O PONTO".

Depois de 78 anos resistindo numa sala escondida sob o viaduto Santa Ifigênia, centro de São Paulo, a loja "El Sombrero" recolheu o chapéu na última segunda-feira (30).

Desde então, seu dono, Abram Kirszenwurcel, 60, ainda pode ser encontrado empilhando o que restou do acervo, que no início dos anos 2000 reuniu mais de 180 modelos.

"Não tem mais loja, não tem mais telefone, não tem mais site. Fechou", disse, recebendo a reportagem da sãopaulo de cabeça quente.

Antônio Gaudério - 18.jun.03/Folhapress
Vitrine com vários tipos de chapéus na Chapelaria El Sombrero, no centro de São Paulo
Vitrine com vários tipos de chapéus na Chapelaria El Sombrero, no centro de São Paulo

Filho de Szmul Icek Kirszenwurcel, chapeleiro polonês que chegou ao Brasil em 1929, Abram nega qualquer crise. "Não foi por falta de público, essa chapelaria sempre foi muito bem, obrigado."

Então fecha por quê? "Porque estou cansado", respondeu, menos desconfiado. "E um dia é preciso parar."

CHIQUE

A figurinista Iraci de Jesus, 52, lembra do primeiro chapéu que comprou na esquina das ruas do Seminário e Brigadeiro Tobias, 34 anos atrás.

"Tenho a imagem exata na cabeça: era bordô, tinha a cabeça redondinha e uma aba pequena de feltro, bem feminino mesmo", diz. O adereço foi usado no casamento de uma tia. "Eu era meio hippie, não queria usar roupa de casamento. O que fiz então foi comprar esse chapéu para ir diferente. Me achei chique."

Desde então, Iraci perdeu a conta de quantas vezes voltou. "Sempre ia e indicava por causa dos figurinos que produzo. Eles davam dicas sobre o chapéu ideal para cada situação, quais materiais eram mais duráveis e tal. É uma pena."

Entre boinas, quepes, casquetes, "porkpies" e "floppies" de tecidos como feltro, renda, palha e camurça, a cliente diz ter feito várias descobertas. "Foi lá que eu soube que o Panamá não era produzido no Panamá", conta Iraci.

A origem do chapéu que emoldurou as cabeças de Getúlio Vargas, Tom Jobim e Santos Dumont está mais embaixo no mapa: a cidade de Cuenca, no Equador --onde é chamado de "El Fino".

Também triste está a aposentada Sônia Ramires, 65. "Sou uma senhora que sempre usou boinas", diz.

Desde os anos 1970, quando começou a frequentar a loja, Sônia comprou oito boinas diferentes. "Fui lá pela última vez há uns três anos", diz. E explica: "Os chapéus eram bons, não tinha porque voltar toda hora."

Segundo ela, a maior parte do público era de idosos. "Mas tinha também uns moderninhos. E muitos nordestinos que compravam aquele chapéu curtinho, que usa com uma pena. São os que fazem repentes lá na praça da República."

O fotógrafo Douglas Nascimento, do site São Paulo Antiga, visitava a loja com o avô materno. "Sem a El Sombrero, São Paulo perdeu mais um pouco de seu encanto", escreveu.

CARIDADE

Além dos chapéus, a loja também vendia acessórios, como cintos, bengalas e gravatas.

Agora, debaixo da porta de ferro semifechada, ainda era possível ver mais ou menos 50 caixas empilhadas. Numa delas, menos glamurosa, o cantor sertanejo Daniel ostentava um daqueles típicos dos caubóis americanos.

"Vou tentar repassar o que sobrou para a concorrência", disse Abram, de camisa e cabelos brancos molhados de suor --fazia 35ºC na tarde em que a reportagem visitou o estabelecimento.

O descendente de poloneses também planeja outro destino para os chapéus mais elegantes da cidade.

"Vai ser difícil vender tudo porque nenhuma loja da cidade tinha tanto público quanto a gente. O que sobrar, efetivamente, vou doar para a caridade --não tenho como carregar uma mala dessas para casa."


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