Folha de S. Paulo


Vereador comunista perseguido em 1964 volta à Câmara e preside homenagem

"Franzino, baixinho e com cara de moleque", o comunista Moacir Longo, então com 33 anos, fugiu da Câmara Municipal, que ficava na rua Líbero Badaró, num Chevrolet antigo. Era 2 de abril de 1964. Seu mandato de vereador foi cassado pela ditadura. Preso em 1972, perdeu os direitos políticos.

Seu processo "passou pelo crivo de um tal de Comando da Revolução". O relatório dele, que era do Partido Comunista Brasileiro, tinha 66 páginas.

Passados 49 anos, Moacir volta ao Legislativo. No dia 9, presidirá a sessão que restituirá simbolicamente o mandato de quem o perdeu, assim como ele, ou foi impedido de assumi-lo entre 1937 e 1969.

Ao todo, são 42 vereadores, procurados pela equipe dos vereadores Gilberto Natalini (PV) e Orlando Silva (PC do B). Dois estão vivos: Longo e Armando Pastrelli. Localizaram-se parentes de outros 28. Não há notícias do paradeiro dos demais.

Gabriel Cabral/Folhapress
Moacir Longo, 83, na Bela Vista, região central; ao fundo, a Câmara Municipal
Moacir Longo, 83, na Bela Vista, região central; ao fundo, a Câmara Municipal

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sãopaulo - Quando foi pela última vez à Câmara?
Moacir Longo - No dia 2 de abril, quando o golpe já estava consumado. Tivemos sessão no dia 30, uma segunda. Na noite [de 30/3/1964], um colega meu, vereador da UDN, braço político dos golpistas, me chamou de lado e falou: "Começou o negócio". Ficamos na Câmara e decidimos fazer vigília. Passou o dia 31. No dia 1º, assistimos da sacada do Palacete Prates [sede da Casa até 1969], que dava para o vale do Anhangabaú, tanques, caminhões com tropas. No dia 2, saí de lá. A Câmara tinha só dois carros --do presidente e da secretaria. O presidente e o secretário articularam uma série de viagens. O carro saía lotado e voltava. Numa dessas, saí.

Só o sr. acabou cassado?
Havia uma relação de 11 [vereadores]. Mas passou por um crivo de um tal de Comando da Revolução. E eu era dirigente do PCB [Partido Comunista Brasileiro]. Quando fui concorrer [ao cargo], era o Dops que dizia quem podia e informava à Justiça através de um dossiê quem era comunista. O meu relatório tinha 66 páginas.

O que dizia o relatório contra o sr.?
Que eu era dirigente, que fiz curso na União Soviética...

E fez mesmo?
[Risos] Realmente, fui. Era um curso maravilhoso de sociologia e política. Não tinha nada dessas bobagens de KGB. Fiquei de 1955 a 1957. Estudava filosofia, economia, história do movimento operário. No grupo tinha gente importantíssima. O Marighella foi quem me convocou para ir para lá.

E depois de fugir da Câmara?
Fiquei dois dias com um médico no Sumaré, e depois com uma irmã, no Caxingui. Mas não era seguro. A minha casa [no Ipiranga] foi invadida. Levaram documentos, meu pai e um irmão [acabaram liberados dias depois]. Estabilizei um pouco e fui morar na rua Castro Alves, com três estudantes. Aí decidiram ir para o Campo Belo, e fui junto. E [enquanto isso] militando na capital e no interior para reorganizar o partido. Eu era franzino, baixinho e tinha cara de moleque. Não chamava a atenção de ninguém.

Vi numa matéria da Folha, de 1972, que o sr. usava o nome de Luis Garcia Neto.
Fala da prisão, né? Foi em 25 de julho de 1972. Primeiro, foi preso um grupo na casa de um companheiro que não era um militante ativo. Ele contribuía para o partido, oferecia a casa para fazer reunião e caiu. Eu buscava a contribuição dele para o partido. Não sabia que tinha sido preso e fui à loja dele em Ermelino Matarazzo. Quando entrei, a mulher do companheiro estava lá. Eles [militares] perguntaram: "É esse?". Ela, muito constrangida, disse: "É". Fazer o quê? Me levaram.

A quais processos respondeu?
De cara, logo depois do golpe, fui incluído em quatro. Três em invasões de sedes do partido [Comunista Brasileiro] que estavam no meu nome. A Justiça não deu bola e arquivou. O das Cadernetas do Prestes foi cabeludo. O [Luiz Carlos] Prestes anotava tudo o que a gente falava. A Justiça Militar me deu cinco anos de prisão. Aí houve outro em virtude da minha prisão. Fui enquadrado na lei de segurança nacional por tentar reorganizar o partido.

O senhor foi preso em 1972 e ficou 44 dias no DOI-Codi.
O negócio foi bravo. Muito. Tive de ficar lá até sarar a minha costela, quebrada. Moíam os presos. Lá era um terror.

Como a cassação afetou sua vida?
Não fiquei traumatizado. Nunca mais procurei a Câmara. Nunca procurei bancar
a vítima de nada, tirar proveito disso.

Nunca mais pensou em se candidatar?
Não, nunca. A minha vocação sempre foi mais de conduzir acontecimento, não ficar à frente deles.

O que representa a homenagem na Câmara?
Esse evento mostra que no Brasil nunca existiu democracia e vou justificar. Tinha democracia na época da escravidão? Do Império? Da Velha República? Na Ditadura Vargas? Então, por que redemocratização? Esse ato é a prova concreta para as novas gerações de que no Brasil nunca teve democracia. Agora, a partir da Constituinte, que se começa a construi-la. Democracia é liberdade política, de imprensa.

O que achou da homenagem?
Fiquei tenso.Vou ter de presidir e discursar. Tem um significado de denúncia das arbitrariedades do regime [militar] contra os cidadãos.


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