Folha de S. Paulo


'Ele não estava à vontade', diz morador que serviu café para Haddad na cracolândia

Morador de um prédio verde na esquina das alamedas Dino Bueno e Helvétia, coração da cracolândia, o escritor José Aguiar, 66, diz que teve uma manhã diferente na última segunda-feira (28).

Do lado de fora de sua quitinete, "noias" cumpriam seu ritual diário fumando crack. Segundo Aguiar, lá dentro, tomando um café "nem forte, nem fraco", de pernas cruzadas num sofá marrom, estava o prefeito Fernando Haddad (PT).

Já a prefeitura de São Paulo nega que Haddad tenha tomado café com o escritor. Disse ainda que o prefeito não entrou na casa dele e não viu ninguém usando crack naquele dia. Afirma ainda que o prefeito estava perfeitamente à vontade na visita à região, tanto é que ficou lá por mais de duas horas.

Vitor M/ Projetor/ Folhapress
O escritor José Aguiar, 66, recebeu Haddad em sua quitinete na cracolândia
O escritor José Aguiar, que recebeu Haddad em seu apartamento na cracolândia, inspirou personagem do filme "Carandiru"

VISITA

Como revelou a coluna Mônica Bergamo, o petista fazia uma "visita surpresa" ao local. Ali, testemunhou um usuário roubando o celular de um cineasta que filmava a região.

Foi quando o escritor (que também vende nas ruas a revista "Ocas") convidou o prefeito a subir.

Natural de Niterói (RJ), ele começou a escrever no Pavilhão 9 da antiga Casa de Detenção (o Carandiru), onde passou 20 anos preso por assalto a banco.

Conhecido por lá como "Peixeira", virou personagem em "Estação Carandiru", de Dráuzio Varella. Vivido pelo ator Milhem Cortaz, também esteve no filme dirigido por Hector Babenco.

sãopaulo - Como foi a chegada do prefeito?
José Aguiar - Da janela, vi seis homens vindo a pé da estação Júlio Prestes. Desci e a muvucada de "noias" já estava em volta do prefeito. Faziam piadinhas... "Veio dar casa para mim?" Ele ria. Disse que não era "agenda", era "visita pessoal".

Como foi o assalto?
Uma criança levou o celular de um cara que estava filmando a rua. Queria roubar a câmera também, mas não conseguiu. Aí chamei a comitiva para meu apartamento, ali em frente. Eles toparam.

Como Haddad reagiu?
Ele não estava à vontade com aquele povo fumando em cima dele. Pouca gente entendeu que aquele cara era o prefeito. Se tivessem percebido, nem sei.

Ele entrou em seu apartamento?
Por uns 10 minutos. Ofereci água e fiz café. Falei que tenho que matar dois leões por dia para continuar vivo. Sofro discriminação por morar ali, por ser pobre e ex-presidiário.

Aí voltaram para a rua...
Ele conversou com caras que montam barracas de lona na rua, chegou a entrar em uma. Uma "noia" soltou uma baforada na cara dele. Ele se assustou, riu e foi embora.

Você foi preso por quê?
Entrei na luta armada na ditadura e fui para o Carandiru por assalto a banco. Me chamavam de "Peixeira" lá dentro. Eu andava com um facão para me proteger, era a lei da sobrevivência. Virei até personagem do filme.

'Carandiru', de Hector Babenco?
Sim. Do livro [de Varella] também. Quem fez o "Peixeira" foi aquele Milhem, nos falamos na pré-estreia na rua Augusta.

Como é morar na cracolândia?
Péssimo. Nunca fumei. Vejo de casa e sei que o crack é a pior droga que existe. Mas prefiro ser amigo de cem viciados do que de um traficante.

Vitor M/ Projetor/ Folhapress
Haddad passou 10 minutos no primeiro andar deste prédio na esquina das alamedas Helvétia e Dino Bueno
Haddad passou 10 minutos no primeiro andar deste prédio na esquina das alamedas Helvétia e Dino Bueno

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