Folha de S. Paulo


Dono de acervo com 1,6 milhão de vinis quer montar pousada temática

Uma noite, quatro paredes, alguns milhares de vinis e uma vitrola.

Esse é o pacote planejado para uma pousada que será aberta em Ibiúna (69 km da capital) em janeiro, com 20 quartos, cada um dedicado a um tema musical --como Beatles, Jovem Guarda, sertanejo de raiz, rock dos anos 1970 e bossa nova. Na decoração, móveis antigos restaurados e aparelhos de décadas atrás, como televisores de tubo feitas de madeira (ainda funcionando).

Os discos vieram do acervo acumulado desde 2001 por Manoel Jorge Dias, 58. Ele diz possuir 1,6 milhão deles, espalhados por cinco imóveis alugados na Mooca. A sãopaulo fez a conta: num centímetro de prateleira, cabem três bolachas (mais embalagem). Seriam precisos cinco quilômetros de estante para armazenar tudo.

As duas lojas principais, sem placa na porta, formam o Sebo Jovem Guarda. Numa delas, no nº 3.401 da rua da Mooca, prateleiras de vinis vão até o teto. Caixas dificultam a circulação. Uma fina camada de poeira cobre o material, e bacias contêm goteiras.

O legado não está totalmente organizado. A trilha da novela "Roque Santeiro" (1985-86) fica ensanduichada entre um Rolling Stones e um Raça Negra, por exemplo. Como a maior parte dos vinis foi adquirida sem seleção prévia, trabalhos de artistas pop, como Xuxa, são os mais encontrados.

No andar de cima ficam os títulos mais raros --mas não inegociáveis. Faz pouco, ele vendeu "Louco por Você", estreia de Roberto Carlos, de 1971, por R$ 7.000. Ele tem ainda dois exemplares da biografia proibida do cantor, de 2006, de Paulo César Araújo.

ENGENHEIRO DE IMPLOSÕES

O proprietário leva vida comercial dupla. Além de ser o Jorge dos vinis, ele trabalha há 25 anos como engenheiro no setor de implosões de prédios. Nessa área, ele é o Manoel, ou "Manezinho da Implosão".

Foi um dos responsáveis por colocar abaixo o Carandiru e o edifício Palace 2, no Rio --a operação mais difícil de sua carreira, pela "sensação de morte muito presente".

Após realizá-la, o engenheiro reavaliou sua vida. E decidiu criar a tal pousada. Começou a procurar materiais usados em leilões para realizar o sonho. Em 2000, num pregão da Avon, pretendia arrematar lençóis. Mas perdeu o controle com os preços baixos: comprou cinco carretas de "achados", a maioria roupa.

Sem saber o que fazer com tantas peças, Jorge montou uma loja para a sobrinha (sem sucesso). Para compensar o prejuízo, trocou as roupas por objetos usados.

Nessa vida de escambo, certa vez aceitou 200 mil vinis como pagamento por terrenos. "Buscamos os discos numa loja no centro com cinco caminhões." Começou a tomar gosto.

Jorge não se considera um grande entendedor de música. Seu ritmo preferido é o sertanejo de raiz. O que o atrai nos discos são as capas, que "trazem muitas informações sobre cada época e geralmente são bonitas".

As trocas trouxeram acervo para montar uma loja de antiguidades, onde os álbuns dividem espaço com pianos, secretárias eletrônicas, gibis, livros e vitrolas (R$ 200, em média).

Em um anexo, brinquedos, latas de filmes e até um caixão preto, que veio junto com objetos de uma loja da Maçonaria que fechou.

O QUE FAZER COM OS DISCOS

As lojas da rua da Mooca, que nos últimos meses recebiam apenas compradores com hora marcada, voltaram a funcionar das 9h às 18h.

E com uma promoção: qualquer disco do térreo sai por R$ 9,90 --Jorge chegou a pagar R$ 0,50 a quem queria se desfazer de uma bolacha.

Ele tem outro plano: construir um centro cultural para guardar parte dos álbuns, numa casa dos anos 1940 na rua dos Trilhos, também na Mooca.

Uma das funções do espaço será resgatar a história de pessoas que lançaram um único disco na vida e não fizeram sucesso. "Uma moça veio de Sorocaba até a loja atrás de quatro compactos que o pai dela gravou quando jovem --e os encontrou aqui."

Duas apostas que não deram certo no microfone: Lima Duarte ("Os Homens Não Devem Chorar", de 1976) e Tony Ramos ("Toni Ramos...Com Muito Amor", Tony com "i", do início dos anos 1980). Dá para achar seus compactos no sebo Jovem Guarda.


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