Folha de S. Paulo


Luciana Gimenez, Laerte e outros famosos contam como era ser criança em SP

Personalidades resgatam suas recordações mais afetivas de uma cidade bem diferente da atual. Confira:

Luciana Gimenez
43, apresentadora da Rede TV!

'Quando morava em Perdizes com a minha avó materna, ficava horas assistindo ao seriado da Mulher-Maravilha e brincava na rua com as minhas amigas."

Laura Neiva
20, atriz

"Morei um pedaço da minha infância no interior de Minas Gerais e voltei para São Paulo com cinco anos para morar em Ermelino Matarazzo, na zona leste. Passava o dia inteiro na rua, ao lado da casa dos meus
primos e com outras crianças. Fazíamos coreografias, brincávamos de pega-pega e esconde-esconde. Gostava muito daquelas gelatinas amarelas e vermelhas, de potinho, e de pirulito com pozinho."

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Laerte
62, cartunista

"Em 1957, minha família foi morar no Alto de Pinheiros -longe da 'cidade' (o centro), mas perto do recém-inaugurado lugar de trabalho do meu pai, a Cidade Universitária. Era um loteamento novo e todas as casas eram térreas, com jardins na frente, amplas e sem muros. Um sonho de subúrbio americano. Por muitos anos, a rua foi de terra e telefone era um luxo.

A rua em que morei se chamava Aratuba (depois mudou pra Antônio de Gouveia Giudice) e, ao lado, passava boiada, mesmo, na estrada das Boiadas -hoje, avenida Diógenes Ribeiro de Lima.

Na rua, éramos uma turma grande, mais ou menos da mesma idade.
Nossas brincadeiras eram temáticas -durante um certo tempo, foi faroeste. Depois, rolou algo envolvendo jatos e batalhas aéreas -talvez espaciais. E umas aventuras submarinas.

O ponto de partida dessas temporadas eram seriados de TV: 'Jet Jackson', Bat Masterson, 'Ivanhoé', Mike Nelson etc. Mas a elaboração ia longe -construíamos, nas garagens disponíveis, cenários elaborados, tipo távola redonda, 'saloon', central de comando.

Roupas e acessórios eram inventados e fabricados, com ajuda de mães e avós. Comprávamos enfeites para as espadas na loja de bicicleta.

Meu irmão, gênio total, era capaz de fabricar moldes para elmos e pequenas rotativas para imprimir dólar.

No tempo da rua de terra -e época de chuva-, muitas batalhas de lama, construção de lagos e represas, navegação de pequeno porte.

Meninos e meninas brincavam juntos, mas em equipes diferentes, que podiam se tornar reinos beligerantes.

Beligeramos e nos divertimos bastante, enquanto não se inauguraram as adolescências, com a introdução de outras agendas e a expansão das fronteiras sociais."

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Ferréz
38, escritor

PASSANDO A PONTE, um conto afetivo

"Cada um saiu do seu barraco. Passamos pelas vielas e paramos em frente ao córrego. Minutos depois, decidimos subir para pegar um carrinho de ferro-velho. A missão era catar tudo.
Papelão, garrafa velha, ferro, alumínio.

Umas quatro horas depois, já tínhamos o necessário para ir ao nosso rolê preferido.

Entramos no ônibus e agora estávamos vendo as casas velhas de madeira ficando para trás. Em breve, os edifícios apareceriam.

Uma hora e meia depois, descemos e agora não teria mais desculpas. Tudo estava ali, como todos os comerciantes da favela falavam. "Só no centro pra encontrar isso".

Quanto aos prédios, a gente conseguia olhar até o quinto, sexto andar, depois o sol fazia a vista doer.

Passamos pelo famoso viaduto do Chá, era aquele monte de gente. Paramos na banca e ficamos olhando, mas eram muitas revistas pra poucos cruzeiros.

Fomos para o nosso grande destino. Estava rodeado de gente que comia com pressa. Demos o dinheiro, e ele montou pra nós, o meu sem ketchup. Os demais eram todos completos.

Comemos o cachorro-quente e completamos a missão.

Alguns anos se passaram, a periferia engoliu os meus amigos.

Mas até hoje, quando chego ao centro de São Paulo acho tudo muito grande, e o cachorro-quente ainda continua no cardápio."

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João Carlos Martins
73, maestro e apresentador da rádio Cultura FM

"Eu morava na av. Conselheiro Rodrigues Alves, quase na esquina do parque Ibirapuera.

Com 6 ou 7 anos, caminhava no parque em direção a um campo com duas traves, sem redes, onde o time da Portuguesa treinava. Na grama, atrás do gol, eu ficava assistindo ao treino.

Na cobrança de um pênalti, o goleiro chamado Caxambu não defendeu. Com toda a violência, a bola bateu no meu rosto, fazendo eu dar várias cambalhotas, durante as quais desmaiei.

Os jogadores correram em minha direção, pensando que eu tinha morrido, mas o médico e o massagista aos poucos me reanimaram. Percebi a alegria e o carinho nos olhos de todo o time, razão pela qual tornei-me torcedor fanático da Lusa.

Que bom saber que uma criança sozinha podia dar uma volta no parque sem se preocupar com a criminalidade.

Mas meu conselho é que ela jamais sente atrás de um gol onde não haja uma rede.

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Inezita Barroso
88, apresentadora do "Viola, Minha Viola", da TV Cultura

'Nasci de um parto em casa, no bairro da Barra Funda em um domingo de Carnaval de 1925. Minha infância foi intensamente musical, herança de uma família que adorava o clássico e o popular.

Fui regada pelo som das violas nas fazendas dos tios e pelo violão e pelo piano nas aulas para meninas. Em casa, gostava de brincar de montar bibliotecas, fazer pequenas peças de teatros e decorar tangos que tocavam no rádio.

Estudei no Colégio Caetano de Campos, na praça da República, desde o jardim da infância até o curso superior de biblioteconomia. A escola era rígida. Nós, com dez anos, usávamos saia azul, meia branca três quartos, sapato preto, tudo precisava ser bem-cuidado.

Certa vez, algumas colegas e eu fugimos da aula para assistir, escondidas, o 'filme-sensação' do momento no Cine Metro: 'E o Vento Levou'. Foi um deslumbramento. De tão longo, o filme tinha um intervalo.

E foi nele que fomos flagradas pela diretora do colégio. Levamos uma baita bronca. Na escola e em casa. Aquela região da Ipiranga e da São João me traz lembranças alegres da escola e de um tempo de inocência da própria capital."

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Sorocaba
33, cantor da dupla Fernando & Sorocaba

"Meu pai gostava muito de correr no Ibirapuera e eu ficava curtindo num cantinho, jogava bola, encontrava os amigos. Brincava de esconde-esconde na rua e fazia tudo a pé: ia para a escola, até a padaria etc."

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Negra Li
34, cantora

Meu pai trabalhava no Playcenter e me levava muitas vezes com meus irmãos. Lembro dos ônibus com o motor na traseira e eu adorava ir sentada na parte de trás, que era alta e quente por causa do motor.

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Tibira
49, dono da loja Caos e apresentador de programa do mesmo nome na TV paga

"Meu pai me deu esse uniforme no meu aniversário de 6 ou 7 anos. A foto foi feita no estúdio de um japonês, entre o Bexiga e a Liberdade. Dias depois, fomos ao meu primeiro jogo. Ganhamos de 6 a 1 do Juventus e fomos comer na churrascaria Pacaembu, que era dentro do estádio.

Com uns dez anos, eu andava de bike com uma turma de 20 moleques. Uma vez fomos até o pedágio da [rodovia] Imigrantes. A polícia queria prender a gente, e meu pai quase me matou."

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Mauricio de Sousa
77, cartunista

"Quando tinha meus dez anos, morava no bairro do Tatuapé, num velho casarão da avenida Celso Garcia. Ia a pé até o grupo escolar Visconde de Congonhas do Campo, no mesmo bairro.

Em alguns dias especiais, meu pai me levava à rádio Cruzeiro do Sul, onde ele trabalhava. Íamos de bonde, descíamos na praça da Sé e, pela rua Direita, chegávamos à praça do Patriarca, onde ficava a rádio.

Eu tinha permissão para acompanhar as gravações, ensaios da orquestra (naquele tempo, as grandes estações de rádio tinham auditório e orquestra), e até participava, como ator-mirim, de algumas novelas.

Depois, vinha outro dos momentos inesquecíveis da minha infância na velha São Paulo: meus passeios pelo vale do Anhangabaú.

Meu pai me dava algumas moedas e eu saía pelas ruas até uma lanchonete da avenida São João, perto do prédio Martinelli, onde havia um cachorro-quente monumental, com direito a guaraná. Era uma refeição dos deuses.

Ainda dava umas voltas pelos jardins ao lado do Theatro Municipal, acariciava as estátuas de bronze que havia (e há) pelos caminhos e voltava para a rádio pelas escadarias que sobem dos baixos do viaduto do Chá. Passando e me detendo um pouco em frente às estátuas expostas (até hoje) ali. O gigantesco Moisés era a escultura que mais me impressionava.

No fim do dia, voltava para casa feliz da vida para contar à minha mãe o que eu tinha feito e visto.

Narrativas que guardo até hoje na memória, com saudade de uma época em que um garoto passeava sozinho pela cidade sem medo nem perigos.

Mas... cada tempo tem seu tempo. As crianças de hoje têm suas compensações. Ou as criam."

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Chiara Gadaleta Klajmic
43, stylist, apresentadora e idealizadora do evento SP.ECOERA

"Mesmo tendo nascido em Napoles, Itália, São Paulo sempre foi muito importante para mim. Chegamos no meio dos anos 1970 e eu tinha 4 anos.

Tenho memórias de carros antigos, como o Dodge Charger amarelo com faixas pretas do meu pai, e da minha mãe, sempre muito bonita e arrumada.

Naquela época as mulheres eram exuberantes, sempre com vestidos e penteados incríveis."

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Maria Casadevall
26, atriz

"Quando eu tinha 6 ou 7 anos, havia uma doceria ao lado do meu prédio, no Itaim Bibi, e meu sonho era ir sozinha até lá.

Na minha cabeça, seria minha emancipação para o mundo adulto. Um dia, meu pai deixou eu ir com uma amiga e me achei o máximo.

Faz um tempo, ele me contou que foi atrás de mim e ficou sobre o muro olhando a gente ir até lá. Meu mundo caiu!"


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