Folha de S. Paulo


'Já toquei com Elis e Erasmo Carlos', diz músico de praça de alimentação; leia histórias

Há quem largue o Big Mac só para aplaudir o primeiro acorde de "Eu Te Devoro", cover de Djavan. Quando vem "Epitáfio", dos Titãs, um grupo se empolga (e cantarola, de boca cheia). A sequência termina com "Quem de Nós Dois", de Ana Carolina. Aí os olhos dos casais brilham mais do que a batata frita esfriando na mesa.

De chapéu de caubói ou fraque, tocando de sertanejo universitário a peças clássicas, os músicos das praças de alimentação acompanham tudo.

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E não se queixam do trabalho. Se por um lado padecem pelos cachês baixos e pela fraca interação com o público, por outro, apostam em chances de novos contatos profissionais e na "liberdade que só a praça traz".

É o caso de Daniel Faense, 32, que desde os 11 anos se apresenta entre filiais de Habib's e Spoleto na capital.

Além de tocar "o que der na telha", ele afirma ser frequentemente abordado com convites para shows em formaturas, casamentos e aniversários.

"Só falta o glamour", lamenta Faense, cujo repertório (de Luan Santana a Victor & Leo) pode ser ouvido no shopping Light (centro). Com a plateia sempre comendo, ele diz que o show costuma ser "meio distante".

Distante e mal pago, dizem os artistas. Segundo cinco consultados pela sãopaulo, a remuneração por duas horas e meia de performance não costuma superar R$ 150.

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Felipe Gabriel/Folhapress
Mãe e filha, Clara e Carla Cruz relaxam com a música ambiente da praça de alimentação do Ibirapuera
Mãe e filha, Clara e Carla Cruz relaxam com a música ambiente da praça de alimentação do Ibirapuera

Não há pesquisas sobre quantos shoppings têm música ao vivo nem se o serviço agrada o público. Vlad Moura, 48, garante que o retorno é bom.

Há 26 anos vivendo só de música, ele toca violão e canta mensalmente em dez centros de compras -do Frei Caneca (Consolação) ao Itaquera (zona leste). "Tenho que me virar."

Calcula que até 30 pessoas apareçam regularmente só para prestigiar suas apresentações -com canções de Cazuza e Roupa Nova. "Vale a pena. Um artista comum toca em casa de shows com ingressos a R$ 80. Meus fãs vêm para o shopping de graça."

Dona Rita, uma das admiradoras, sai toda semana com as filhas de Taboão da Serra (Grande SP) e vai até o Frei Caneca. "Ela até me deu um violão espanhol de presente", conta Moura.
Com bandana de bolinhas puxando o cabelo loiro, ele afirma ter vendido 17 mil CDs de mão em mão nesses shows. "É muito. O último trabalho da [Maria] Bethânia vendeu 20 mil."

O segredo? "Ao contrário de outros músicos de happy hour, eu faço 'showzão', animado de verdade. Aqui não tem música de aeroporto, não."

ENTRE TAÇAS E QUEIJOS

Com terno e penteado impecáveis, Carlos Heyder, 64, está há 13 anos na mesma banqueta do Ibirapuera (zona sul). É o homem do piano de cauda que embala a praça dos Eucaliptos -a mais elegante das três áreas de alimentação do estabelecimento.

"No começo, ficava frustrado porque ninguém me ouvia. Hoje sei que escutam. É uma relação discreta."

Mas as coisas já foram mais agitadas. Em 1974, no Tuca (teatro da PUC), tocou com Elis Regina ("Pimentinha mesmo, chata que dói, reclamava de tudo"). Numa de suas "melhores épocas", acompanhou Erasmo Carlos em shows da Jovem Guarda.

"Mas a vida dá voltas", diz Heyder, que trocou a música pelo trabalho na multinacional Siemens -de onde foi demitido aos 45 anos. Por aí, começou a dedilhar no shopping.

Às vezes o apresentador Raul Gil vai lá prestigiá-lo. "Senta com amigos e me diz: 'dá um mi menor, maestro'. E solta a voz: 'Conceiçãããão'...".

Mas covers de Cauby Peixoto estão longe de ser o ápice de sua carreira.

"Um dia, comecei a tocar 'O Bêbado e a Equilibrista', do João Bosco. Aí levantou um senhor de chapeuzinho no fundo do restaurante, chegou perto e deu parabéns. Era ele. Me entregou um cartão e convidou para seu show." Heyder sorri. "Foi lindo."

Isadora Brant/Folhapress

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